15/07/2009

Das visitas das férias

Acordei hoje pensando na sorte de viver rodeada de amigos, que entram e saem das nossas vidas e casas com o à vontade das coisas sentidas como naturais e certas. As visitas destas férias têm me transmitido essa sensação. A maioria prefere chegar sem aviso, o que é a delícia suprema – ser-se surpreendido, sem ter sido preparado, para aquela conversa que não se imaginava, exercitando a maleabilidade de deixar pra depois o que é do depois, porque realmente os amigos vêm antes. Precisam vir antes.

Há aqueles que, com sorrisos que às vezes não se decifram, antes se adivinham, trazem outros que ainda não se tornaram amigos, mas o farão certamente, porque o olhar é límpido e constrói pontes de interesse, daquelas que se projetam para atravessar vidas. Esses, introduzidos à realidade desta casa, parecem assustar-se com a profusão de pessoas e de movimento, especialmente quando mais amigos chegam, encontram-se à porta e vão se juntando uns aos outros. Tão natural que nem é preciso apresentar quem não se conhece – as apresentações são lembradas só no fim: “aliás, vocês já se conhecem, não?”. Basta um expirar mais concentrado e um sentar e relaxar verdadeiro, que tudo parece entrar nos eixos e o tempo passa e ninguém percebe.

Há os que demoram a aparecer, e quando o fazem é uma festa de reencontro que parece ter se interrompido ontem. Há tanto a por em dia na conversa, terminando por assegurar que é preciso que nos encontremos mais vezes, e com tempo, já sabendo de antemão que isso não será verdade, porque é assim mesmo: é de repente e naquele dia em que menos se espera que esses encontros são encontros. Senão, seriam outra coisa, presa ao sabor comportado das marcações prévias, que não combina com esses amigos especiais, mesmo que nos unam laços desses que se decidem na igreja.

Há os que reaparecem viajando de outras eras, eliminando a barreira do gap geracional. Trazem-me a sensação indescritível da transformação de filhos em companheiros de alma, diluindo a impressão da responsabilidade materna e lembrando que a substância dos encontros cármicos é de outra natureza que não a terrena e que, em algum momento, aqueles se sobrepõem a estes. Se chegam e se acomodam, metamorfoseiam-se aos poucos: a memória do passado de repente nos trai, e vemos espelhada a imagem do que foi. Novos assuntos, e aquele silêncio que não é o do desconforto, e estamos de volta ao presente.

Os que vêm de longe demoram-se mais tempo, e esses são sim combinados – o que dá a possibilidade da preparação e da antecipação, que valem em si por vários encontros. Se há tempo, e se a visita o consente no passado vivido, antecipam-se até os locais das conversas, pensam-se em detalhes os cardápios dos almoços e jantares, entre os sorrisos fugidos das lembranças do que nos alimentou em outros tempos.

Entre estas visitas, há aquelas com as quais eu sonho; com elas desenvolvo o saudável ainda que estranho hábito de falar sozinha – sabendo que dificilmente virão, pelo espaço, pelo tempo ou pela vida que nos separa. Posso torná-las concretas, a essas visitas, nessas minhas conversas sozinha, perfazendo o que poderia ser. Às vezes é de tal forma urgente que estes encontros se concretizem, que chego a convencer-me de que, se não estiveram, foi por puro desencontro, e nada mais. Esses amigos, de perto ou de longe, servem-me de terapeuta de mim mesma. Dando por terminadas essas conversas, percebo-me mais inteira, e mais entendedeira do que me acontece.

Os amigos, diria eu, são o sal da vida. O meu maior enorme de tão grande amigo (como diria um de meus filhos, na sua fase de encantamento com o tamanho possível das coisas), diz-me que podem ser também as ervas aromáticas, avesso como está ao sódio que lhe faz frequentar mais do que gostaria a sala de espera do seu médico.

E sim, talvez tenha razão: logo penso nos que me trazem o alecrim (aquele que ontem mesmo me disseram ser ótimo para as traças), com a sua ardência e despertar dos sentidos; naqueles que me rodeiam com a suavidade doce da lavanda; nos que me batem à porta através de seu cheiro, esse cominho que me evoca uma cozinha da África oriental, onde estão a esta hora os amigos desses com quem, terminando aqui, conversarei sozinha para trazê-los mais para perto. E há ainda aqueles outros que, às vezes ambíguos, despertam-me sensações de canela – o gosto não se parece com o cheiro, e prefiro só cheirar, evitando o desânimo de me sentir traída.

Os amigos aliviam-me afinal da terrível sensação da indiferença – e foi nela, percebo agora, em que acordei pensando, e não exatamente nos amigos. Acordei, talvez porque meus sonhos me conduziram, na urgência de encontrar o meio de mitigar a indiferença que talvez seja o pior de todos os nossos males. E que nos afasta inconsolavelmente dos encontros que mantêm os amigos, amigos.

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