Uma de minhas colegas de curso em Porto Alegre, na sua apresentação, declarou-se vegetariana e imediatamente advertiu e pediu desculpas por simplesmente não poder olhar nos olhos de alguém que coma carne. Declarou-se radical absoluta nesse terreno. Ninguém disse nada, embora tenha sido fácil registrar um ou outro olhar trocista dos comedores de carne de plantão. O típico.
Conversei com ela depois, na hora do intervalo, porque pessoas assim funcionam-me como ímãs. Fiquei intrigada com o pedido de desculpas, tão desnecessário achei. Ela explicou, sem muitos rodeios, que estava cansada de ser taxada de radical depois de um tempo, e preferia que a vissem logo como era no primeiro contato. Achava que todo mundo saía perdendo menos tempo. Saímos pra tomar uma água, e a dureza inicial foi substituída por um interesse pelo alheio difícil de encontrar em pessoas amena e declaradamente não radicais. Em pouco tempo que olhou pra mim entreviu um tanto de coisas, e perguntou sobre elas de forma bem radical. Gostei.
Além dos animais, que não come, ama escrever (que é o que ali nos une a todos) e ama descobrir todos os terrenos em que a humanidade é dupla, ambígua, ali mesmo onde se perde pensando que está se encontrando. E por isso começamos a conversar sobre álcool. Falei-lhe das imagens que tinha recolhido uns dias atrás pelo facebook, piadas inofensivas (se tal coisa existisse, segreda-me o Freud que escreveu sobre chistes e inconsciente) em torno do consumo de álcool - aliás, eu diria que da paranoia generalizada de como tudo se reduz a beber. E ela pediu-me que lhas mandasse. Aqui estão.


Lembro-me delas sempre que passo de bicicleta, já noite, pelas dezenas de bares que rodeiam a minha casa; enquanto diminuo a velocidade até parar e apoiar o pé na calçada. Penso no que pensarão essas centenas e centenas de pessoas, jovens na sua gritante maioria, que os enchem noite após noite. Visito-os de vez em quando - e não há conversa que consiga sustentar-se num lugar que tem tudo, menos o silêncio mínimo que permita que se ouça o interlocutor. Ou seja, conversar não precisa. Claro que a paquera rola solta, turbinada e amaciada à segunda ou terceira cerveja - mas não há nada que me faça pensar em que daqui sairão relações que durem mais do que uma noite. Ou talvez me engane, e seja este um ponto de partida válido como qualquer outro. Certezas são sombras perigosas.
Há uma vibe intensa e uníssona, e para entrar nela é preciso sim beber uma ou duas doses - é isso que me diz um garoto, feliz da vida por ter passado na faculdade e por poder curtir a vida com aqueles que (imagina) se tornarão seus amigos. Acrescentar "pro resto da vida" seria uma licença poética exagerada da minha parte, porque nem ele diz isso nem está sequer pensando que exista algo assim como "o resto da vida". Com um copo na mão, é mais fácil conversar, a vida parece muito mais amena, a manhã de estudo muito mais longe, o garoto na mesa ao lado muito mais perto. As fronteiras, ô delícia, se dissolvem, e não é preciso comprometer-se com quase, quase nada. Nem com o dia de amanhã nem com a felicidade de ninguém.

Tenho andado arredia demais pra conversar, estes dias. Prefiro observar de longe, o mais distante que possa para preservar-me a mim mesma. E por isso volto pra casa, sem saber por onde continuar, ou o que começar. Têm razão os organizadores da festa do próximo 7 de abril de Botucatu - e agora José?
