Minha vizinha, dona S., vem
visitar-me. Fez pão de torresmo e aparece quando estou sozinha: “só sobrou um
pedacinho, e aqui na sua casa é gente demais. Da próxima vez faço uma receita
inteira só pra vocês!”. Curiosa como ela só, transpira vontade de conhecer o
lado de dentro desta obra que não acaba, destes vizinhos que lhe caíram na
sorte. Cheia de opinião, não entende porque troquei as janelas da frente, menos
ainda por que a entrada é por trás. “Mas filha, por trás?!”. E abana a cabeça
sem compreender. Nitidamente, a maior desaprovação.
Chegamos à porta e ela estaca.
“Linda, sua porta.” E é, de fato, lixada por mãos que a tornam, aos meus olhos,
além de linda, preciosa. “Pena essas janelinhas, não?” E eu olho-a incrédula,
com uma súbita vontade de que volte rápido rápido pros seus domínios, sua casa,
do outro lado do muro. Mas ela já deu a volta ao morro número 2 de entulho e
terra e entra pela outra porta, a que um dia será a da lavanderia quando esta
última existir e pudermos abrir a outra porta, aquela mesma bonita das janelas,
por enquanto interditada pelo morro número 1 de terra e entulho. E entra toda
feliz, reparando em tudo. Não me incomoda o seu interesse. Mostro-lhe a casa
toda, tarefa que se cumpre de forma bem rápida, e ela tem tantas opiniões
fáceis que me deixa zonza. Se a deixo dois milímetros mais à vontade, é capaz
de abrir e inspecionar as gavetas!
Assim como chegou, foi-se. E
deixa-me olhando para a porta, intrigada com a sua desavença com as janelas.
Tão bom, uma porta com janelas. Posso abri-las quando chove. Posso abri-las pra
ver o pé de canela lá de fora (aliás, do quintal da dona S., caindo pra dentro
do meu com toda a sua opulência). Pra ver a chuva. O vento. O granizo, como o
que caiu no sábado, furioso. Olho de longe por entre as aberturas e fico em
paz. Provavelmente porque me dê a sensação de que uma porta fechada com janelas
permite que espere com mais sossego pela abertura dos portões quando as portas
se fecham. Aquelas da vida, pra cumprir a metáfora.
É uma porta sem convicções,
talvez: está fechada, mas abre-se. Está aberta, mas fecha-se. Dá-se a todos da
maneira como a queiram receber. Só é preciso estar aberto a que as coisas não precisem
ser apenas o que parecem, mas possam transcender-se e não se limitar – pra que
ser apenas porta, se é possível ser janelas também? E que possam ser aquilo que
são, tudo o que são, sem os rótulos que as fechem e prendam, aferrolhem quase.
Como acontece com as portas sem janelas, por onde não se pode espreitar as
promessas lá de fora, a não ser que se escancarem e assumam a sua única
identidade. E, a essas, não é dado o prazer do olhar através – atravessa-se,
sai-se ou entra-se. O máximo, máximo, é poder sentar-se na soleira, apreciando
o fim de tarde e pensando em como será bom quando se puderem abrir umas janelas e dar a essa porta olhos de ver.