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19/01/2021

Divino amargo

 


    Vó Chica combina com o silêncio da mata nas manhãs de chuva. A meio da alvorada, aponta-me as hastes da carqueja por trás das árvores. Vê como crescem como fatias de luz por entre os troncos, diz-me ao ouvido. Vó Chica gosta de carqueja, e estas terras também. Como se houvesse se levantado um véu, vejo-as brilhar por todo lado. Amarga, a carqueja, só se em excesso, e, mesmo quando amarga, é preciso bebê-la. O fígado agradece, o intestino e os rins também. A carqueja dissolve o que de mais profundo se agarra à nossa alma: o medo.

    Sigo Vó Chica até o lugar onde quer sua pequena casa. Posso andar de olhos fechados, de tão devagar que avança. Não sei se olha tudo para que nada se perca, ou se anda devagar para que eu não corra e veja o que na velocidade não poderia (não costumo) perceber. Como aquele pé de guiné, que sobrevive a duras penas, ainda à espera de lhe ser permitido o costume da sombra. Ou ali ao lado, quase imperceptível, a alfazema fazendo milagre, rodeada de coquinhos pelos quatro lados. Fico contente de sentar-me aqui, perto da sua futura casa. Vó Chica ganhou mais do que um banquinho - assim posso sentar-me em um e com os olhos fechados chamar essa amiga querida de tantos e tantos anos, e ela quem sabe, se eu tiver sorte e motivos, se sentar também.

    Vó Chica tem o cheiro e o gesto daqueles que dissolvem, transmutam e reestruturam o que precisa ser transformado. Está de um lado e do outro da vida, encantada guardiã das passagens, e por isso nos leva de um lado para o outro, e desse outro para mais um. Ensina, acalma, compreende, protege e sorri, sempre doce, mas também, nestes últimos dias, urgente, incisiva e prática.

    "Filha, o tempo já está correndo, você percebe? Se ainda não foi, é preciso aprender a soltar tudo, aprender a encontrar a força da vida em qualquer pedaço de chão, em qualquer lugar de coração, em qualquer forma, espaço, tempo. Se há perdão a pedir, é preciso ser pedido agora, se há agradecimento a fazer, é preciso que seja feito agora, neste instante. E não é na sua cabeça, filha - é usando o sopro divino que nasce na palavra pronunciada, que chega até o ouvido do outro e de lá é carregada até o coração. Não há outro caminho, não se engane. Não diminua, filha, o que tem tamanho. Aceite o que é, e ande, em passos retos evitando as curvas e os rodeios. Não perca tempo, e ajude a quem puder a que também não o perca". Vó Chica quer muito ser escutada, estes últimos tempos.    

    A carqueja em minhas mãos já nasce retorcida, abrindo-se em dimensões de busca de luz, barbatanas nadando no ar líquido. Pouco se importa de não ser folha, nem flor, nem caule, nem nada. Busca imperiosa a força da luz solar, alarga-se no espaço, sobe através dos troncos, entrelaça-se entre eles, diferente de suas irmãs que nascem nos pastos e à beira dos caminhos. Estas hastes, que Vó Chica coloca em minhas mãos, e semeia nos alegres jardins de flores, precisa de esforço.

    Oxóssi, Iansã e Ogum irradiam com suas forças a carqueja, e com ela as nossas forças vitais, dissolvendo o desgaste psíquico. Aprendo isso nos livros, enquanto sinto Vó Chica me estimulando a curiosidade, folheando através do meus dedos, guiando meu tato, meus olhos, meu amor pelas coisas. Nos confins de tudo, quando me sento perdida à mesa que me traz respostas, Vó Chica está diante de mim. Lê meus pensamentos, sabe meus desejos, conduz-me pelos férteis campos da nossa relação, com uma rapidez inusitada que contrasta com o peso da maioria dos seus passos. Bom humor e alegria - estímulos que a carqueja inspira dentro de nós, com as suas flores de outono, o seu amargor de acordo com a vida. Acorda, parece dizer, e vai viver - essa vida não programada, não desejada, não colorida pelas cores que imaginaste, mas ainda assim a vida, e vida será enquanto for preciso.

    Tomo um banho de carqueja (preciso experimentar sua força), e porque não quero sucumbir a medo algum, misturo fedegoso e folhas de laranjeira, faço gargarejos e bebo o chá. Limpa a garganta e acomoda os sentimentos num lugar correto e renovado. Vó Chica desaparece por entre as volutas de vapor. Como que a desejar-me boa noite - "dorme bem e acorda com os olhos limpos e a alma corajosa".

22/09/2019

Tempo a não perder


Aprende-se com Quitéria a arte de dizer das coisas o que elas são. Sem complacência. Seu único olho vê mais da vida do que os dois que teve. É ela quem diz, e acrescenta: na época em que tinha dois olhos, os caminhos apareciam dobrados. 

Quitéria perdeu a vista direita numa distração que quase lhe custou a vida. "Mas vê tu", diz ela, "não teria aprendido a olhar as coisas pelo lado de serem vistas se de outro jeito fosse, por isso te digo que tanto faz o tamanho da desgraça. Cada uma que chega é pra mostrar o que não se sabe, ninguém tem motivo pra reclamar de estar vivo".

Há um desencanto morno na fala de Quitéria, como quem viu muito da miséria humana em ação. Não a miséria de não ter o que comer ou o que vestir, mas a miséria de ser menos do que se pode ser. A miséria de ser mesquinho, sobretudo. 

Quitéria não guarda muitas ilusões sobre os seres humanos. Por experiência própria, sabe que as pessoas tendem à displicência, e essa ela não perdoa. "Vocês não durariam um dia na caatinga", diz sem sorrir. "A primeira bala perdida já os atingiria – como vos atinge o primeiro pensamento daqueles que invejam, debocham, desconfiam, desprezam. É preciso andar de sentidos abertos, e evitar o que é pra ser evitado".

Não há falsidade no entorno de Quitéria. Há humor, e muitas vezes ela ri, uma risada que soa por dentro como cristal estalando debaixo de sol quente. Não é o riso alegre e leve do povo da Bahia, nem o riso paciente e amoroso dos velhos curvados. Quitéria ri o riso de quem acaba de morder um jiló amargo, e olha para o reino humano ora com relutância, ora (mais frequente) com extraordinária falta de paciência.

“Recado dado, tarefa cumprida” é a sua missiva. Quando mal-entendida, ou quando as suas palavras são levadas pouco a sério, ou quando a pessoa está tão perdida dentro de si que sequer consegue escutá-la, Quitéria dispara. Nessas horas, é capaz de pegar a sua cartucheira e batê-la no chão, com a força que colocaria numa espada caso a tivesse. Assim como anuncia a sua chegada com o cheiro de pólvora recém queimada e o estampido de 50 balas cortando metálicas o espaço, assim rodeia a falta de inteireza alheia com a secura agreste do couro.

Quitéria está entre aqueles que me vigiam. Chegou quando eu fiquei pronta para conhecê-la. Fosse antes, teria sido reduzida a pó. Quitéria não se ajoelha, Quitéria não usa máscaras, não propõe a guerra e vem de peito aberto. Se aquilo que a recebe não está à altura, tem as armas prontas, e dispara sua Palavra na direção do coração do outro, certeira como um bisturi afiado. Quitéria se enfurece, numa espécie de fúria santa, com aquele que já sabe, e ainda assim erra. Se tem algo que Quitéria não perdoa é o pouco caso com aquilo que é obrigação de gente.

Conhecer Quitéria não é caminho raso, nem rápido. Ela não tem pressa. Tem urgência quando é de se ter, mas não pressa. Está pouco preocupada em que se goste ou não dela; aliás, acho que ela prefere que não se goste, para que não sejam corações amolecidos que a guardem. Prefere a construção lenta, e por isso se desdobra lenta – encara quem a teme, quem a respeita e quem a admira com o mesmo olhar e a mesma altivez. Não é dada a explicações, é dada a dizer o que as coisas são. A outra parte, diz ela, é tarefa do ouvido de quem ouviu. E o tempo se encarrega do resto, e Quitéria sabe, e por isso não se apressa. Cronos e Kairós são a mesma coisa dentro dela. O que muda é a certeza inabalável que tem de que a vida está aqui para ser vivida, feita, amassada e assada como pão, e por isso digo que não acalenta ilusões. Sabe dos limites que pode um ser humano, sabe o quanto não se muda ninguém, mas sabe também que a decisão interna provoca revoluções. E por isso urge: "para quando, a tua mudança?" E a pessoa responde: "é verdade, fui ingênua". E Quitéria responde: "Não foi, tu foi é besta".

Indulgência e displicência são palavras que Quitéria não usa, ao contrário de Vó Chica, que em seu amor macio e doce nos leva pela mão à compreensão das coisas. Quitéria está em outro lugar. Considera que já aprendemos, de tanto ouvir a sábia Chica. E cobra. Dura e prontamente. "Não veio ainda? Não fez ainda? Continua a mesma coisa? Para que fazer perder meu tempo então? Se tu não muda, não vou ser eu que vou te fazer mudar."

Trabalhar com Quitéria é ter a segurança de que nada ficará encoberto, sem revisão. Muito pouco ela deixa passar, e quando deixa é porque mais adiante vai laçar, quase rindo de eu ter achado que ela teria passado sem ver, ou (pior) que não tivessem importância as coisas que têm. Por isso, se algo Quitéria me ensinou foi a agir sem ter todas as explicações, e a saber na pele que hora de correr é de correr, e hora de enfrentar é de enfrentar. "E preste atenção", diz ela que não quer as coisas pela metade, "a hora não é eterna: se não se aproveita o degrau do tempo, perde-se a escada inteira".

Quitéria é atenção plena, é raio faiscando o ar, é trajeto certeiro de bala. Não erra o alvo porque não se distrai, e não se distrai porque pagou com a vida a própria distração. Por isso seu amor nos atinge em cheio. Porque ela sabe. Ela sabe o que é titubear. O que é relutar. O que é esse campo traiçoeiro da ingenuidade, que nos faz imaginar que o que não muda, mudará, que o que não tem, terá, que o que nos machuca um dia nos amará. "Acorda", diz Quitéria, "e vai se olhar no espelho. Vê se quem te olha do outro lado é quem você quer ser do lado de cá. Não adianta trocar o espelho, o que adianta é trocar dentro de ti o que não te vale a pena". Quem com ela conversa, espera ao final um até logo, algum sinal de despedida. Quitéria frequentemente se esquece das regras da boa convivência, dos protocolos da civilidade. A pessoa pisca, e Quitéria já se foi. O que tinha a fazer foi feito, não há mais tempo a perder.

09/06/2019

Pentecostes de Oxalá

O ano é 1296 e a vila é Alenquer. O dia é como o de hoje, 50 dias passados da Páscoa. Dia de Pentecostes. A rainha de Portugal, Isabel, já então apelidada de santa pela sua dedicação a minorar a fome dos pobres, convence seu marido D. Dinis a uma festa bastante particular: um dos mais pobres há de receber a coroa e o lugar do rei, passando a presidir um Império. 

A festa do Divino Espírito Santo, mais do povo do que da Igreja, é a festa onde todos podem ser coroados, onde se distribui a abundância da época da colheita do hemisfério norte: pão, carne e vinho povoam as ruas de todas as freguesias açorianas, tabuleiros de pães correm as ruas de Tomar, festas em honra aos mistérios do Espírito Santo, o Divino, espalham-se por todos os lugares por onde passaram portugueses, das ruas de Boston aos caminhos à beira mar de Florianópolis. O Divino faz-se presente.

Isabel pensava numa oferenda, certamente. Invocava a intervenção divina para resolver o problema da sucessão ao trono. Seu marido preferia o filho bastardo, o que redundaria em mais uma guerra ibérica. Fazia-se necessário manter a sucessão através de Afonso, filho de ambos, e que viria mesmo a ser o rei Afonso IV. Isabel, como já fizera em outros momentos, dirige-se a esse lugar do invisível e pede. Oferece. Isabel era uma rainha piedosa. Desconfio que não haja criança portuguesa que não tenha ouvido a lenda dos pães transformados em rosas quando interpelada pelo rei sobre onde ia e o que levava. D. Dinis passou à história como forreta e a Rainha Isabel foi canonizada em 1625. Isabel distribuía pão a quem não tinha, peregrinava a Compostela, e, já viúva, recolheu-se ao convento de Santa Clara de Coimbra, lá mesmo onde se inventaram os famosos pastéis, de onde saiu apenas uma vez mais na vida.

As oferendas, desde que o tempo é tempo, reconhecem que a origem do que temos é divina. Ao apresentar qualquer elemento como oferenda, antes mesmo de pedirmos alguma coisa, reconhecemos que aquilo que oferecemos não é nossa criação. Se estivermos conscientes disso (e o problema é que metade do que fazemos é na inconsciência, quando não na ignorância), fechamos os olhos e baixamos a cabeça, em reconhecimento à origem divina de tudo o que nos rodeia, e de nós mesmos. Na gênese de qualquer forma de oferta ao mundo espiritual, sejam palavras, sejam cantos, sejam frutas, flores, festas, viagens - o que fazemos é reconhecer profundamente a nossa própria existência não terrena. 

Neste dia de Pentecostes em particular, Isabel está presente outra vez, lembrando-nos de que o que temos é de todos; que todos têm a sua própria coroa, onde vem pousar a pomba da paz. Entre os símbolos do Divino Espírito Santo estão a pomba e a coroa. Oxalá, orixá da criação do mundo, da sabedoria dos anciãos, da ligação entre Céu e Terra, ostenta a sua coroa e no alto de seu cetro, o Opaxorô, pousa a mesma pomba.

Jesus, em sua época, recolheu-se ao deserto durante 40 dias como forma de se preparar para o seu destino; após seu retorno crístico, manteve-se junto aos apóstolos e apóstolas por mais 40 dias. Após finalizar a sua missão terrena, em seu nome aqueles que o seguiam recolheram-se ao cenáculo. Prepararam-se para a chegada dos frutos, e estes vieram dentro de imagens, nos símbolos do fogo e do ar. Línguas de fogo e forte vento. Pentecostes nos lembra da necessidade de nos prepararmos para o encontro com o divino, esse encontro íntimo que é no fundo o encontro conosco mesmos. 

Podemos abrir-lhe a porta descuidadamente, passar por ela sem lhe prestar atenção, sequer perceber o que a atravessa e entra em nós. Ou podemos dedicar-nos, fazer silêncio e ofertar todo o nosso ser, reconhecendo a nossa existência para além deste veículo que nos transporta na Terra. Neste fogo e neste vento, na pomba que voa e pousa em nossa coroa, nosso mais elevado centro energético, caminham juntas a liberdade e a responsabilidade. O que fazer com ambas, só cada um com cada um.

Imagem: Nicholas Roerich (Rússia, 1874-1974)

26/02/2014

Forma e sentido

Melhor que pensar é sentir. E melhor que compensar é consentir. Melhor do que pensar o que o outro pensa é sentir o que ele sente. Gosto, demais da conta como diz minha amiga Valéria, quando as palavras se encaixam dentro de mim em forma e sentido. E gosto de sentir com o que o outro sente. E, portanto, consinto: tanto faz que pensemos igual ou diferente. Ô sossego.

As palavras têm caprichos: pensa-se sobre elas, e elas ficam mudas, trocistas. Ocupamo-nos de outras coisas, distraídos como borboletas, e elas correm ao nosso encontro, querem contar-nos segredos. Não porque antes não quisessem: nós é que não as abordamos como elas necessitam. Leveza, abertura e sorriso: é disso que as palavras precisam para entrarem dentro de nós e comporem forma e sentido.

Tudo isso a troco do que, pensará você. Porque fiquei pensando um tempo na palavra espiritualidade, surgida a meio de uma conversa gostosa como banheira perfumada. Pensei na sua morfologia, esse ser substantivo que se ergue do raso das coisas para afirmar-se existente. Pensei naquilo que dela dizem os dicionários: qualidade ou condição do que é espiritual. E parei de pensar, porque a nada me conduzia. E senti a tal conversa, mais do que a ouvi.

As palavras precisam da nossa existência mais humana. Daquelas qualidades que se encontram no lobo frontal, como escreveria um neurocientista. As que fizeram Jung dizer "Eu não preciso acreditar em Deus. Eu sei". As que por causa dos gregos nós chamamos de entusiasmo: en-theos, o Deus dentro. As que fazem Leonardo Boff escrever que "é o saber-se pertencente a algo maior". E as que reverbera Daniel Bohm, discípulo querido de Einstein, quando fala da existência de uma "ordem maior subjacente à ordem sensível". São aquelas qualidades em nós que nos humanizam (e que Antônio Cândido diz ser a arte), é aquilo que nos retira do limbo do mundo, do limbo de nós mesmos, e nos estende novos horizontes, possibilidades, visões, encontros. A tal da espiritualidade. Por isso difícil pensá-la e mais tranquilo senti-la. Ou consenti-la.

Freud considerava a religião uma neurose coletiva, uma projeção do complexo pai/mãe num "Pai maior". Uma forma também de evitar psicoses: a neurose ilude, mas permite que se viva. Do ruim, o menos pior, ou algo assim. Os mistérios religiosos são por definição caminhos grupais delimitados por códigos de conduta restritos e precisos, conjuntos de rituais e crenças estabelecidos dentro de instituições e organizações. Igrejas, religiões: sobre a espiritualidade não sei o que Freud pensava e arrisco errar, mas creio que foi Jung quem lhe dedicou tempo e pensamento, quem descortinou por trás da existência humana essa sobre-existência, essa transcendência a que chamou (erro de novo, talvez) espiritualidade. Coisa do espírito, dessa nossa parcela que é a que nos confere o estado de humano, e por isso dizia eu ali em cima que as palavras precisam do nosso mais humano: porque elas são puro exercício de espiritualidade, são o próprio espírito em ação. Quando deixamos, claro e óbvio como vidraça recém lavada.

Mas isso sou eu, que gosto delas e com elas me entendo. Para outros será a espiritualidade outra coisa, porque é momento e caminho individual e pessoal, uma jornada que é um estado, e não um modo de vida. Esse fio condutor que une tudo a tudo reconhece-se assim que uma mudança interna e profunda acontece. O que a prepara, à nossa mudança, é o nosso movimento, o nosso exercício de relação e reconhecimento disso que é mais que nós mesmos e que somos nós ao mesmo tempo. O novo rumo, o novo sentido são os atributos visíveis da espiritualidade.

O que pressupõe o exercício da busca, e por isso nessa conversa surgia esse atributo: espiritualidade é exercício. Sem dúvida. São passos que se dão, com um norte intuído, que a alma percebe e persegue. Às vezes, o norte não leva a canto algum. E perde-se tempo. Ou não. Porque cada caminho é caminho e cada ser é ser. E por isso é mais fácil consentir, e aproximar-se do outro pelas forças que vivem no outro lado do lobo frontal, e que ganha o nome de coração. A geografia humana não obedece aos olhos da razão.

Leio num site que atribui a Lucas, 10, 25-37 palavras que não saíram de sua pena. Mas faz sentido: "Espiritualidade é tudo que é capaz de produzir em mim uma mudança de pensamento, atitudes e conceitos, que me colocam num novo rumo e me oferecem um novo sentido para a vida". Por isso, e outra vez consentindo: como, pela graça de deus, poderia alguém dizer a um outro alguém que a sua escolha de caminho está errada? Que a sua vivência espiritual está equivocada? Que seu caminho a nada conduzirá? O exercício da dúvida, outro atributo da espiritualidade humana, freia-nos a língua, impede-nos de dizer o indizível, de julgar o injulgável. Nos caminhos do espírito, a liberdade precisa imperar serena.

E, assim como nos céus, na terra.