03/08/2015

Presença e companhia

Ainda ontem me disseram que importante mesmo é cultivar o estado de presença. Gosto de observar a maneira como as palavras se dobram à vontade do freguês, rindo-se sorrateiras daquilo que nem vemos: que as maneiras de as usarmos altera, silenciosa e quietamente, a maneira como pensamos, como vemos o mundo, como nos oferecemos e recebemos o outro.
Estamos todos à procura de presenças – de estarmos presentes para nos sentirmos úteis, de querermos o outro presente para estarmos seguros, levantando a mão afoitos e quase que gritando “presente!” quando alguém duvida que não estejamos engajados. Queremos ser presentes na vida de nossos filhos, ensinar-lhes a importância de viver o presente, sabendo que o passado já foi e o futuro a Deus pertence.
Fui cavoucar a palavra, já tarde da noite. Presença deriva da palavra praesentia. Surgiu com a junção das palavras prae (à frente) e esse (estar, ser). Presença, portanto, é estar à frente. Ali adiante. Presença não é estar lado a lado. E nessa nossa obsessão moderna pela presença, pela busca incessante por estar presente nas coisas e nas pessoas, nem vemos que ficamos é distantes, separados por esse “à frente” que estabelece uma linha entre eu e o outro, feita de tempo e de espaço.
Talvez estejamos é necessitados de companhia. Em vez da miragem de uma mão estendida, dedos palpáveis e quentes ao seu lado. O que lhe parece?
Companhia também é uma palavra latina, e deriva de compania; está formada porcom (com) e panis (pão). Companhia é aquele estado em que as pessoas repartem o pão que têm. Imagino-as lado a lado, olhando-se nos olhos, agradecendo internamente por terem não só o que compartilhar, mas também o com quem. Não estão presentes, estão em companhia. Pode ser em silêncio, pode ser em conversa animada, diante de um por do sol ou dentro de um elevador apinhado. Quem seu pão coloca na mão alheia, e dela recebe o pão que lá existir, está em companhia, e nada mais é preciso.
Como dizia Einstein, só existem duas formas de viver a vida: ou você sabe que não existem milagres, ou você sabe que tudo é um milagre. Isso aprende-se, ensina-se, vive-se – sabe-se quando ainda se é criança, e desaprende-se com essas manias adultas de dar voltas às palavras para fugir ao que é essencial e deter-se no supérfluo.
Nunca é tarde para virar a esquina e decidir tudo ser diferente. Desistir do olhar vulgar que tudo cobre de tédio e insatisfação para vestir os olhos com a cor daquela pequenez que os enche de água agradecida. Talvez o milagre não esteja ainda nessa mudança de olhos – mas chegará, mais cedo ou mais tarde, porque as boas companhias chegam, por afinidade com esse seu novo olhar para a vida, e, de repente, você encontrará ao seu lado uma mão aberta cheia de pão. Aí, então, terá com quem compartilhar o seu pão sabendo que a sua mão e a do outro jamais estarão vazias.


Publicado originalmente no site http://paraentender.com.br/presenca-e-companhia/


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