16/11/2009

As curvas da estrada de Pardinho

Finalmente livre da chuva ininterrupta dos últimos meses, e agraciada com uma dessas manhãs com que a aurora nos presenteia, decidi-me a desencostar a bicicleta da parede onde se apoiava há várias semanas, certa de que a sua falta poderia vir a ser um problema, no mínimo de fôlego. Pra não desanimar logo de cara, optei por ir até Pardinho pelo asfalto, evitando o estado sabe-se-lá-qual da estrada de terra. Pedalar no asfalto tem a gigante vantagem de poder aproveitar melhor a velocidade e o consequente vento no rosto, daquele tipo que varre qualquer preocupação e a deposita nas nuvens bem ao alto. Voltei sem nenhuma delas.

A estrada de Pardinho, talvez como a de Santos, tem umas curvas aerodinâmicas impossíveis de não aproveitar com deleite. Entrando nelas com a velocidade certa, a sensação é a de deslizar surfasticamente por elas, deixando pra pedalar no final e aproveitar o impulso, quase que nem sentir a subida seguinte. Não cheguei a Pardinho porque parei um milhão de vezes pelo caminho, o tanto de sol e de pequenas nuvens passeantes obrigando-me a puxar o freio pra não perder cada detalhe do passeio. Pra culminar, um grupo de paraglyder veio se avizinhando ao longe e aterrissando num pasto perto, fazendo-me perder velocidade e redobrar o cuidado que me permitisse olhar pra cima e em frente ao mesmo tempo.

Essa volta de bicicleta, que não demorou mais de hora e meia, teve a capacidade de transformar a minha semana em algo mais fácil de ser vivido, de forma consciente. Não sei que tipo de magia se estabelece no pedalar solitário. Talvez o silêncio. Talvez o outro tempo que se estabelece e não é interrompido nem mesmo com a passagem do caminhão, que buzina tentando me distrair. Talvez a cumplicidade daquele ciclista anônimo que passa, enxada amarrada ao bagageiro, expresso no “bom dia” que o balançar da cabeça denuncia. Ou talvez a vacas que para pra me ver passar, e me faz constatar pela enésima vez que não há olhar mais plácido do que o seu.

Todos percebem a diferença quando chego a casa – estava inquieta à saída, volto sorridente e com tempo para ouvir a todos, para tomar todas as xícaras de chá que tiver vontade, até para ver um dos episódios de Cheer’s que alguém aqui achou pra vender pelo preço da chuva numa locadora perdida em alguma cidade... E assistir esse episódio, no meio de uma manhã banal e tão irreal, transforma todo o meu dia: rio, porque não há como não rir com Sam Malone e seu bar, e olho em volta e sou feliz, porque tudo reluz.

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