Foi Confúcio quem disse, 470 anos antes de Cristo nascer, que uma imagem vale por mil palavras. Não consigo, em lugar algum, encontrar o contexto em que ele chegou a essa conclusão. Talvez quisesse alertar seus discípulos do silêncio que deveriam manter ao observar uma imagem, para que as suas mil palavras não atrapalhassem as do colega ao lado. Ou talvez o mestre chinês discorresse num dia ensolarado sobre a volatilidade da palavra falada, e da necessidade da sua contraparte-ação se tornar visível - algo assim como "promessas, só quando fatos". Ou talvez nada disso, e apenas seus olhos estivessem em contemplação profunda do entardecer de sua janela, e ele não conseguisse encontrar palavras que descrevessem o que via.
O fato é que essas suas palavras atravessaram os quilômetros e os séculos que nos separam da China e do ano 470. Estão aqui, vibrando diante de duas imagens que vejo, veiculadas no facebook. Fiquei tentando perceber que conjuntos de mais de mil palavras poderiam elas representar para quem as observasse.

Porém, a imagem que mais me suscitou incômodos foi essa à sua esquerda. Que vale, realmente, por mais de mil palavras, que deveriam levar-nos à constatação do grau descivilizatório a que chegamos, nessa precoce, abusiva e incensada alcoolização de nós mesmos. Os comentários-mais-de-mil-palavras sobre a imagem riem-se, e tornam a rir-se. Não sei se de constrangimento ou iniquidade: os rsrsrs e os kkkk são dúbios demais para saber, mas eu fico-me com a impressão da inconsciência meio boçal pairando leve, solta e lisa.
No meio desses comentários, um chama a minha atenção: "Deve ser pros professores chegarem no 'grau', pra suportarem o 'rojão' que os espera!!!".
Com as aulas começadas esta semana, fico me perguntando qual o desastre maior. Se a imagem, se as palavras. Vejo os novos professores dos meus filhos, e nenhum deles me parece precisar "chegar em grau" algum, porque consigo reconhecer o brilho do entusiasmo de um ano que começa. Mesmo com as previsões mais terríveis e catastróficas que queiram fazer-se, ser professor é adquirir o "grau" no exercício da sua paixão, que é estar em sala de aula com as pequenas e grandes pessoas com quem irão conviver pelo menos ao longo de um ano. Com todos os desafios que isso comporta, e ainda bem, que sem desafios ninguém se torna o que vai se tornar. Vejo os funcionários das escolas, e a dedicação no abrilhantar, no limpar e no organizar os espaços, para que acolham e recebam essas pessoas especiais que vão ser a sua convivência diária. Vejo os novos colegas dos meus filhos, e o que sobressai é o brilho do reencontro com os amigos e a expectativa do que o ano reservará. Nenhum rojão, a não ser de festa por mais um ano começado.
O preconceito múltiplo dessas menos-de-mil-palavras atinge-nos como professores, como alunos, como pais, como educadores, mas principalmente como seres humanos. Ainda assim, e apesar disso, continuamos na efervescência volátil e aparentemente inócua dos rsrsrsrs e dos kkkkk. O que equivale a abdicar dessa capacidade nossa chamada pensar, e a forçar-nos a entrada num universo de falência dos valores que tanto queremos prezar, da solidariedade à inteireza, da honestidade ao respeito, da lisura à inteligência.
Salve Confúcio, salve o novo ano, e salve todas as escolas que temos ao redor e dentro. E salve Millor Fernandes também, que completou o mestre acrescentando: vá dizer isso com uma imagem.