31/03/2023

À porta da casa


Eis-me de volta a Casa. Volto a ocupar esta Casa do Vento, onde a minha alma aprendeu, e por onde sabe cantar e gesticular e gritar. A plenos pulmões, como deve ser. A boa educação é por vezes muito falha, assim como as boas intenções, por melhores que pareçam e até o sejam. A algumas coisas, apenas o grito e o gesto se dão como verdades.

E assim, estou de volta. Quem me abre, ou reabre, as portas desta casa, é esta porta. Esta porta como todas um lugar por onde se atravessa, uma passagem, um lugar por onde se deságua.

Por esta porta específica, feita de tijolo e ferro, passam os meus filhos e aqueles a quem amam. Nem todos, mas os que este espaço ocupam. Atravessam-na, dia após dia, talvez sem reparar que o fazem, e que o seu passar ficou preso na base da minha retina. Assim como há um fora e um dentro, há um antes e um depois. E depois que se atravessa uma destas portas, que se resguardam e se agarram a nós tão cheias de sentidos, não se sai igual do outro lado. Nem é preciso tentar: os espelhos refletem outra pessoa, as ruas abrem-se a outra forma de passos, pode parecer que se é a mesma - mas não se é. A porta foi atravessada. A viagem foi feita. 

É preciso, passadas experiências assim, saboreá-las. Devagar e ao longo dos dias. Degluti-las. Extrair-lhes sentido e sumo, sem no entanto as esgotar e delas abusar. As experiências também têm vida própria, e merecem descanso tanto quanto preparação. Às vezes, o silêncio a seu lado é a melhor conversa.

É sobre este retorno que a minha Casa do Vento constrói os seus novos alicerces, sabor e pertença de imagens que vejo e sinto e cheiro diante de mim embora vivam já no passado. Pertença, eis a palavra chave.

É esta uma nova viagem dentro da viagem já feita, desta vez por dentro, desta vez pelas águas límpidas das veias. A quem a quiser acompanhar, eu dou as boas vindas. Que seja uma viagem a muitas mãos, tantas quantas me caibam na memória. 

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