14/11/2013

Preciso de uma palavra

E ninguém sabe ao certo qual seja. Eu sei, mas espero que chegue através dos outros. Pode ser que seja alma esvaziada. Pode ser a busca de silêncio interno. Pode ser uma porção de coisas. Mas é, apenas e tão somente, desejo de ouvir a palavra de que os outros pensam que eu precise. E fazer alguma coisa com ela.

E respondem-me. Com um "oi!", antes de qualquer outra coisa. E é bom que seja essa a primeira, a palavra sem parentescos, sem ligações, sem história. Nascida do encontro de dois sons que caem no gosto de quem os ouve, e decide repeti-los e assim se instaura (também) uma palavra. Pelo prazer de ouvi-la por entre os lábios e pelo prazer de senti-la deslizando pelo canal do ouvido. Oi, portanto, eis a primeira palavra que me ofertam.

E mal acabo de escrever o que escrevi, ganho a segunda palavra: aberto. Como as águas do rio à inundação da chuva, logo penso. Ou meu coração aberto sujeito às tempestades que nada têm a ver com ele. Ou têm. Tanto faz, porque ele insiste nesse estado de aberto, teimosamente aberto. Aberto que rima com aperto, uma rima torta de som aberto com som fechado. O aperto fechado em torno do aberto do peito. A prensa das flores do meu peito. A prensa das flores do meu coração aberto.

Demora-se no caminho de chegada, a terceira palavra. Dá-me tempo de fazer o chá que me falta. E entre a mesa e o fogão preencho o espaço do silêncio, percebo à minha volta o vazio que ficou com a ausência. Olho-a calmamente, à ausência, à espera de que o mundo me chame de volta com outra palavra.

Eis que chega: saudade. Rio. Lago. Oceano. É preciso lavar as saudades, de vez em quando. Entrar com a mangueira nos quartos onde ela se esconde, tirar tudo pra fora, caixas, gavetas, pequenos pacotes sem abrir, fitas e laços e cartas e peças de roupa e xícaras e copos e temperos e receitas completas e sabonetes perfumados e sobretudo (ah sobretudo) as intrincadas filigranas feitas de lembranças de prata. É preciso tudo arrastar para fora, tirar da sombra melancólica dessa música sem letra e lavar as paredes e o chão da casa da memória. Até deixá-la brilhando, com cheiro de limpa. Tirar o pó não é o bastante, assim como fazemos todos os dias. Há um dia em que é preciso extremar os cuidados, e lavá-la inteira, à saudade, para deixá-la como nova e mais simples. Sem arabescos. Só com as coisas essenciais que se devem guardar. Não há morada para indelicadezas na casa da memória, o lugar do não esquecer-se.

E bastou entrar nessa dobra trilhada para encherem-me de palavras. Aqueles que sabem do que se trata, dizem "precisas de uma palavra? dou-te a única que te nutre: palavra". Os que lá de longe sabem que o que preciso é rir, piscam o olho e sussurram "cachimbinho da serra". O passado retorna nesse que diz "epíteto". E a minha boca repete, como criança que aprende a falar epítetoepítetepíteto. O passado não nos larga nunca.

E o branco. O todo branco. Fecho os olhos e o que tenho é o branco. Enquanto não penso. E enquanto deixo para depois o resto das palavras, porque é hora de olhar pra fora e ir buscar o que nos cabe. Até porque alguém me convida para um café com prosa. Bom dia! E obrigada! :)


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