À Mainara e ao Thadeo
Dois amigos queridos casam-se
neste sábado à tarde em Botucatu. Espero que o sol sorria de manhã, menos
inclemente talvez do que nos últimos dias, e que quem sabe à tarde a brisa da
serra nos alcance, e possamos refrescar os pensamentos para melhor
acompanhá-los.
Convidam-me para madrinha, e ao
Ricardo, meu companheiro de vida, para padrinho. E automaticamente penso em nosso
próprio casamento. Não no dia em si, mas no seu processo, no seu deambular
pelos anos, nas idas e vindas, voltas e contravoltas. Se me perguntam se é difícil
manter um encontro de tantos anos, encolho-me para ver mais de perto o que são
esses anos - sou pequena perto deles. Não sou mais a mesma, nem ele é mais o
mesmo. Parece-me que ele se transformou mais do que eu, à medida do que foi
preciso, à medida do que as urgências pediram, do que as dores exigiram. Mas dizem-me
que não, aqueles que nos conhecem, balançando a cabeça como se eu dissesse
alguma bobagem – mudamos os dois, em consonância conosco mesmos.
Casamento é processo de mudança a
tempo inteiro. De conquista de controle dos próprios fantasmas, para que a
existência do outro possa ser a que deve, a que precisa; um interregno em que espaço
e tempo abrem-se para a compreensão de que o caminho mútuo é composto de dois
caminhos em separado. E que os caminhos em separado estão abertos, mas precisam
de proteção, para que os tropeços não provoquem dores desnecessárias.
Porque casamento dói. Claro que dói.
O tempo às vezes não é um uníssono, nem sempre a sinfonia é harmônica. Mas é
música, o tempo inteiro, é Palavra e som entrelaçados em dois corpos que dançam
sempre, de frente ou de costas, e seus ouvidos precisam acolher as músicas de
cada um sem julgamento. Tem um quê grande de entrega, e pouco espaço para tudo
o que é raso. Aqueles que se aproximam devem saber disso, porque ao chegarem à
anteporta estacam e pensam de novo se vale a pena fazer-se presente. Quando o
fazem, sabem o que arriscam, porque o reino da intensidade vive do lado de
dentro, compromisso de vida que se quer acima de aparências e convenções.
Penso no que poderei ofertar a
esses dois amigos, qual das minhas mãos devo aproximar para que o peso do tempo
ao passar se torne mais leve, para que o coração sossegue quando o descompasso
for a regra, quando o que parece falta alheia seja a grandeza daquele que se
reconstrói todos os dias. Porque tudo isso será, e é bom que o seja, porque
depois de cada tempestade a bonança é cada vez mais gloriosa. A mão que
aproximo é a que previne o sentimento de posse desmedida, a que alerta a
vontade diferente inevitável – uma mão que acolhe e diz que tudo faz parte. E
que às vezes é preciso deixar o tempo passar, respirando até o âmago de si
próprio para que o outro possa ter oxigênio. E, nunca, jamais, aquietar o
próprio coração na dor do coração do outro.
Enquanto preparo a roupa que
vestirei no dia de seu casamento, penso em meus dois amigos, no seu encontro,
nas voltas que a vida deu, bem à minha frente, para que o avistar-se mútuo
fosse possível. Testemunha ocular da história, posso dizer-lhes que a
predestinação que sei sentirem está exposta em muitos momentos partilhados – o universo
conspirou enquanto respiravam as próprias vidas. Que a vida que escolhem neste
sábado seja amparada pelos universos da luz e que, enquanto dure, pese o quase
lugar comum da poesia, seja eterno e chama o amor que sentem.