Séssil é um animal que não se movimenta por livre vontade, contrariando todas as leis que eu achei conhecer – no caso, que o que caracteriza um animal, entre outras coisas, é o movimento, que já as plantas não têm. Pois os sésseis são animais e não têm liberdade de movimentos, e assim que, na semana passada, descobri que isso existia, fiquei suspensa entre o prazer de mastigar essa palavra entre os dentes – experimente em voz alta! - e a intranquilidade que me gerou imaginar algo que, devendo caracterizar-se pelo movimento, é justamente reconhecido por não o fazer.
Repeti vezes sem conta essa palavra, e outras que foram surgindo, a partir de todos e cada um dos processos que temos para formar novas palavras: sessilmente, cor-de-séssil, sessilento, sessílimo, sessilítico, aséssil... e por aí vai. Gosto disso desde pequena, e até fui recriminada várias vezes, nos bancos escolares, por inventar respostas a partir de palavras também inventadas para perguntas que eu sinceramente poderia jurar terem sido inventadas também.
Séssil chega-nos diretamente do grego – e, efetivamente, quer dizer “movimento parado”, o que no mínimo é um paradoxo. Ou não – penso com os meus botões, depois de reparar em quem, em movimento (frenético até), permanece ainda assim parado. Talvez seja uma questão de perspectiva. Distância? Não envolvimento?
Eu não gostaria de reencarnar como um séssil. Esponjas são sésseis, e eu tinha uma tia que gostava imenso de me dar esponjas naturais no Natal – coisas estranhas e duras que à simples imersão em água quase se desmanchavam, absorvendo imensas quantidades de líquido e deixando a sua aparência dura e morta para trás. A sua absorvência, apesar disso, não me dava a impressão de vida, mas de abandono e de perda de si mesma, da sua estrutura, ainda que essa tivesse sido desagradavelmente dura. Não sei até hoje o que prefiro: se a esponja seca, dura e da cor da morte, se a esponja molhada, mole e da consistência da perda. Só tenho certeza de que não me sentiria feliz reencarnando como séssil, ou seja, como esponja.
De qualquer forma, tem sido interessante olhar para o mundo em volta em termos de sésseis e não-sésseis. Pessoas sésseis, situações sésseis, sentimentos sésseis, atitudes sésseis. Como tudo se movimenta, lá está a impressão do dinamismo da vida, das suas transformações; mas como tudo está parado, sobrevém a máscara da morte, aliás a máscara, que é sempre de morte, porque rouba a vida daquilo que é – e se movimenta em movimento.
Há um momento fugaz em que tudo o que é séssil se revela – tudo o que está parado enquanto poderia movimentar-se trai-se nos momentos em que descansa. Porque o que descansa do movimento verdadeiro, precisa descansar, e aquilo que descansa do movimento parado faz de conta que descansa, e é nesse momento que se trai, porque se perde em si mesmo à procura de um sentimento que não conhece, porque não se deu ao trabalho de sentir. Porque sentimentos são movimentos que não param, a não ser que os paremos, para que eles não se atrevam a entrar em nós e desestruturar esse movimento parado que, talvez por falta de vigilância, construímos em silêncio e solidão dentro de nós mesmos.