31/07/2010

Ungos dos meus dedos


Tanto quanto alguns se sentam na poltrona em pleno exercício de zapping televisivo, de vez em quando invento um zapping cerebral que associa ideias aleatórias às respostas que a internet me oferece. Ideias fracas normalmente geram pesquisas fracas também, mas às vezes dou graças a deus pelas ideias fracas.

Assim que decidi finalmente que hoje é sábado, dia de descanso como me avisa meu cunhado judeu aqui ao lado, mil ideias me apareceram, tudo aquilo em que não tive tempo de pensar ao longo da semana. Preciso aproveitar as últimas horas para fazer isso que o Shabbat manda – nada, e ainda deitar cedo pra variar também o ritmo da semana.

Mas nada, nada, nada... também não dá. Já que esta semana aliei duas das minhas preciosas horas à leitura de trabalhos escolares num salão de manicure, pus-me a olhar para as minhas mãos, convencidas que foram pela Vera-manicure-terapeuta-de-quem-rói-unhas a voltarem para casa vermelhas. Esse vermelho tem o efeito incrível de me lembrar dos meus propósitos anti-onicofágicos, agradeço-lhe por isso, mas não há como não me sentir usando as mãos de outro alguém, e pergunto-me de onde terá vindo esse hábito de pintar as unhas.

Resultado previsível: China há milhares de anos, depois Egito há muitos também, Cleopatra usava-as vermelhas e aparentemente mandava executar quem se atrevesse ao mesmo, sinal de distinção social e por aí vai. O que eu não sabia era das suculentas descobertas sonoras que eu faria assim que desse com a lista de línguas para as quais a palavra “unha” podia ser traduzida. E descubro um soturno “ungo”, um amanhecer em “azazkal”, uma brincadeira infantil em “nenig”, um susto noturno em “köröm", uma variante de tempero em “dirnaqlar”, um sussurro de amante em “küüs”. Descubro ainda um “kynsi” que soa a pergunta, um “Нокт” que não consigo fazer soar, um “指甲子”que quem me dera saber dizer. E devolvo-me em paz às “onglas”, “unglas”, “unghias”, “ongles” e “uñas”, repentinamente agradecida aos romanos invasores pelas suas invasões.


Todas as unhas do mundo flutuam agora à minha volta, e eu já posso fazer nada de olhos fechados, ouvindo-me pronunciar cada uma delas, inventando-lhes seus desertos, suas dunas, suas praças envidraçadas, seus campos a brilhar ao sol, suas praias de areias agrestes, suas ruas íngremes escondendo segredos, todas as paisagens do mundo para todas as unhas do planeta, pintadas ou por pintar. Agora, sim, fazer nada vai valer tudo.

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