15/11/2011

De pé, com a dor na mão

(a propósito da exposição de Alberto Pinheiro no MAC de Botucatu)

Aprendi hoje que resistência à dor é a diferença entre dois valores: o limiar de dor e o limiar de tolerância. O primeiro é aquele ponto ou momento em que se reconhece como doloroso um estímulo (por exemplo, água a 44°C para a maioria dos mamíferos). O segundo, o momento em que esse estímulo alcança tal intensidade que deixa de ser aceitavelmente tolerado (no mesmo exemplo, água a 48°C). A resistência à dor é a diferença entre os dois limiares. A dor a que podemos aceitavelmente resistir. Dores de parto podem estar muito próximas a esse limiar de tolerância, e portanto ir além do que entendemos como resistência à dor. Cheguei à conclusão, depois de sete dessas experiências que Santo Agostinho dizia livrarem-nos a nós, mulheres, da impureza que está na origem do ser gerado, de que o limiar de tolerância obedece também à nossa capacidade de controle, acomodação, aceitação. Assim como obedece aos decretos silenciosos da sociedade em que nascemos e daquela que escolhemos ter como nossa, e por isso assumimos os riscos de a querer transformar. 

A exposição em cartaz no MAC de Botucatu, de Alberto Pinheiro, fala-me dessa resistência; sem palavras e sintomaticamente com muito ferro. Em cada peça, os dois limiares nus e crus: a dor que se aguenta e a que se torna insuportável. O resultado da exposição é a esperança: a resistência à dor; o tomar a transformação nas próprias mãos mesmo quando por entre elas parece escapar-se tudo.

Fiquei presa, muito tempo, diante da figura de uma arqueira, logo à entrada. Voltei mais tarde outra vez, porque a figura diz-me algo. Sim, o pássaro do pré sal também me diz, assim como o namoro sob a lua e a família da dependência química sob um chão de ilusão transparente. Mas a arqueira, a sua leveza, a sua precisão, a sua procura do alvo necessário, prendem-me o olhar. Estaco diante dela e diante da dor que a põe de pé e a faz levantar o arco: é a sua resistência que me fez voltar.

Impressionam-me, aqui e ali, as possibilidades infinitas de transformação da realidade em arte com que o Alberto vislumbra o oculto. Como desoculta e transfigura a verdade dura do ferro e encontra um mundo novo ao seu redor. Na matéria que é, pelas suas mãos, retornada ao seu caráter de espírito.

Conviver com o Alberto, seja aqui por meio das suas peças, seja ao vivo quando o encontro, provoca-me a mesma sensação: a da premência do olhar direto e em frente, solene e compassivo diante da quebra alheia, da desistência, da dor e de todos os seus limiares. Um olhar que apreende do outro mais a coragem da falta do que a falta da coragem. Porque é possível agrupar as palavras conforme queiramos, assim como é possível agrupar as nossas dores e colocá-las a serviço do outro. Ou não. O Alberto escolhe o sim. E eu escrevo para agradecer-lhe por isso.




Exposição “Metamorfose”, de Alberto Pinheiro
MAC - Museu de Arte Contemporânea Itajahy Martins - Av. D. Lúcio, 755
Terça a sexta das 9h às 17h; sábado, domingo e feriado das 12h às 17h
Até 4 de dezembro

3 comentários:

  1. Eu tb fiquei super tocada com a exposição.
    Com a ressignificação do Alberto.
    Obrigado Alberto e à você Ana por sempre saber por com tanta precisão as palavras.
    Me ressignifico com vcs
    Gratíssima

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  2. TEM A ARTE DE FAZER A ARTE,A ARTE DE SENTIR A ARTE,A ARTE DE FALAR DA ARTE E A ARTE DE SER E VIVER COM ARTE...
    ANA,VC É A ARTE QUE PERMEIA POR NÓS..OBRIGADO,MINHA AMIGA!!

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