Uma professora conta, algumas semanas atrás, olhos quase molhados de tanto brilho, uma das coisas felizes que fez com seus alunos. Leu-lhes "A rainha da neve", de Andersen. Eles se dispuseram a desenhar alguns momentos do conto. Uma das meninas quis desenhar a eternidade, mas parou assustada e correu à professora:
- Professora, eu não sei desenhar a eternidade!
E como a professora também não soubesse, disse-lhe que tentasse: quem sabe não descobria? Ao cabo de um tempo a aluna volta, olhar alumbrado:
- Professora, eu vou escrever a palavra eternidade, é o melhor desenho que posso fazer.
Ouço tudo isso e do fundo das palavras há um sopro de ar puro que me arrebata, e me faz perder a respiração, nessa sala onde nos reunimos para falar de palavras, e nesse alumbramento que nos atinge a todos porque uma criança viu, na palavra eternidade, no desenho da epiderme das suas letras, a própria eternidade.
Há palavras que se fazem da rugosidade da sua escrita; outras, da sua lisura serena. Tanto faz se as escrevemos, se as lemos. A porosidade, o brilho, os veios, permanecem todos lá. Mesmo nas impressas, é possível tocá-las com as gemas dos olhos.
O verso único da poesia de Anelise Zeidler atingiu-me dentro de um ônibus em Porto Alegre, dia desses. Num acesso súbito de falta do sentido da eternidade, vejo-me sentada ao lado dessas sete palavras que a poeta escolheu, e que alguém depois escolheu para oferecer aos outros na janela de um ônibus. Olho-as com uma atenção só de fora, e as suas características físicas são as que primeiro me atingem, e têm o poder de arrancar-me de dentro de mim mesma. Como se os olhos que leem os olhos que se inundam se inundassem por pura empatia, a mente em estado de repletitude de coisas para transbordar.
Lembro-me da pequena aluna e da sua presença de eternidade, essa que nesse momento eu sequer saberia escrever, e penso o quanto palavras são pouco afeitas a contatos determinados. Aparecem quando devem, e não quando se quer. Assim que saem, diluem-se. Assumem-se a si mesmas e distanciam-se de quem as escreve ou pronuncia - não se lhes pertence mais. Nem sempre penetram os outros da maneira como se pretendeu - eles, os outros, veem-nas da forma que querem ou podem, percebendo-lhes as peles com um tato único, aquele que lhes é possível.
Lembro-me da pequena aluna e da sua presença de eternidade, essa que nesse momento eu sequer saberia escrever, e penso o quanto palavras são pouco afeitas a contatos determinados. Aparecem quando devem, e não quando se quer. Assim que saem, diluem-se. Assumem-se a si mesmas e distanciam-se de quem as escreve ou pronuncia - não se lhes pertence mais. Nem sempre penetram os outros da maneira como se pretendeu - eles, os outros, veem-nas da forma que querem ou podem, percebendo-lhes as peles com um tato único, aquele que lhes é possível.