Diziam-me hoje (falava-se sobre
procedimentos cirúrgicos, talvez) que há cortes que parecem pedir não só
precisão, mas também leveza, uma espécie de ternura na sua forma mais lenta, que
deixe o sangue escorrer sem violência e sem trauma. Uma forma de dor que mais
fortaleça do que determine o princípio do fim. Não sei – cortes são cortes.
Questão de vulnerabilidade, parece
– no caso da conversa, até mais a percepção da vulnerabilidade do outro, ali à
flor da pele tão pronta ao corte, do que a consciência da própria. Talvez seja
um cheiro diferente, um certo tom que se torna visível assim que os focos da
mesa de operação se acendem. Um repentino abrir-se de portais que a mente não
explica, e na maioria das vezes nem a medicina. E quem consegue percebe e, além
de preciso, é leve e terno e lento. Talvez demore mais tempo, talvez acaricie ao de leve a
pele antes de a cortar, para alertá-la, prepará-la, fazê-la saber que a mão que
corta é a mão que afaga. Para que o corpo que não é carne deixe de estar
vulnerável e se torne pronto. Cortes são cortes, mas há mãos que sabem cortar e
mãos que ainda não aprenderam.
Tudo aqui em casa está, esta
noite, vulnerável – tudo atento ao amanhã mais que ao hoje, a começar por mim.
Quantas perguntas, daquelas que encobrem mal a ansiedade que se instala,
pequenos corpos para grandes almas de repente em suspenso sobre a própria vida.
Ou nem tão de repente, se pensarmos que estamos todos em suspenso, levitando
sobre as razões de cada coisa, às vezes apoiando um pé, uma mão, e percebendo o
infinito. Todos vulneráveis, perceptíveis, atentos, como nos quer essa lua quase
cheia aqui fora. O mesmo céu que a todos cobre, noite fechada, ruídos ao longe,
a esperança equilibrada na aurora que vem chegando. Afago-os nessa escuridão
que se formou, minha mão querendo ter aprendido o corte, mas eu mesma sem saber
exatamente onde e como estou, sem saber até onde e quando e onde e como ir, para que a vulnerabilidade não se torne insuportável e me faça tropeçar no que não existe.
O Ministério da Saúde adverte: o blog das ventanias" causa dependência física e psiquica!...rsrsrsrs....ADOOOOOOOOORO !!!! Leio..releio..leio de novo...sempre TUDO! Muito obrigada por nos dar esse presente! Mil beijos!
ResponderExcluirBia.
Bia linda! Obrigada a vc por ler - e ainda comentar! É MUITO bom receber.
Excluirbeleza!
ResponderExcluirBrigadim, amigo anônimo!
ExcluirE sinto do teu corte o frio na barriga. Da perna, que é onde me passa o calafrio da navalha sobre a pele.
ResponderExcluirAntô
E sinto, do teu corte, o frio na barriga. Da perna, que é onde me passa o calafrio da navalha sobre a pele.
ResponderExcluirAntô.
E eu sinto vc do meu lado.
ExcluirApós o corte pensei de imediato numa sutura delicada, que não deixe cicatrizes, emprestaria meu catgut, minhas mãos treinadas, tudo para ampliar a vulnerabilidade....
ResponderExcluirAinda bem que as suas noites continuam claras, boa lua cheia!