Com a desculpa de terem germinado as sementes de cherovia que plantei na horta há várias semanas, decidi entrar na internet à procura das suas qualidades nutricionais, apesar da pia de louça e da roupa para guardar, do corredor com as caixas que eu ia arrumar agora de manhã, a confusão de cobertores pela sala pós-noite de filmes, o almoço que em algum momento será necessário comer.
Mas meu motivo é nobre: cherovias são plantas muito nutritivas, e eu preciso de argumentos que convençam a minha família das suas virtudes, nas próximas sessões de qualquer-coisa-com-cherovia-para-comer. A minha avó deve estar feliz, lá onde estiver, vendo-me não só a querer comer cherovias, como ainda a plantá-las com bastante decisão e persistência. Nada no passado preveria semelhante futuro.
Encontrei muitas referências à tal planta – muitas fotos, todas logo dizendo, com a força que tem uma imagem, o quanto uma cherovia é uma perfeita cenoura (só que um pouco grande, talvez) mas da cor do nabo; o cheiro parece-se com o do anis, mas só de leve, e disso eu lembro bem (a foto tem seus limites), porque enjoava só de senti-la cozinhando lá longe na cozinha. Assim como me lembro do seu gosto de cenoura velha: dois detalhes que omitirei à minha família quando se der a apresentação. O que vai demorar, porque acabo de descobrir que demoram a crescer e a poder ser colhidas. Demorar significa, aqui, meses. Muitos. E talvez não as tenha plantado na melhor época do ano. Enfim, logo veremos.
A sua consistência farinhenta semelhante à da batata deve ter contribuído para o seu incrível consumo pela Europa. Foi base da alimentação da Ibéria durante séculos, e hoje faz parte daquelas características que os movimentos de valorização do particular regional desejam celebrar – já ouviram falar do Festival da Cherovia da Covilhã?! Movimentou na sua 5ª edição uma cidade inteira, com festividades que se estenderam por 4 dias, tudo em torno do um tanto desconhecido porém decantado tubérculo.
Com a chegada das batatas, as cherovias, ou xerovias, ou pastinacas (tudo nome aceitável) perderam a sua importância. Os ingleses vegan comem-nas aos quilos, dando-lhes o nome de parnsip. Graças a eles, descubro que têm um valor nutricional superior ao das cenouras, e encontro muitas e muitas receitas preparadas com o tubérculo, todas até parecendo interessantes. Acabei de abrir uma subpasta na pasta “Receitas” com todas elas, à espera do dia da colheita!
Entusiasmada com esse reviver das antigas tradições, lembro-me das alfarrobas e vou à procura de mais informações – o tanque, a louça, o almoço não se incomodam de esperar mais um pouco. A farinha de alfarroba é competente substituta do cacau; resulta da moagem das sementes que nascem nas vagens e a minha avó também a usava, porque era muito, mas muito mesmo, mais barato fazer um bolo de chocolate com alfarroba do que um bolo de chocolate com cacau. Há campos e campos de alfarrobeiras por todo o Algarve, em Portugal, e era uma diversão voltar de lá com o carro atulhado de vagens escuras e duras. E eu gostava de ficar inventando versos que tivessem essa palavra encantada (alfarroba) e outras que eram as minhas preferidas (como amplidão... lá tem palavra maior?!).
A alfarroba é na verdade bastante diferente do cacau - não tem gordura, nem glúten, nem cafeína, nem nenhum outro alcalóide, sendo portanto a planta mais-que-imperfeita para quem queira passagem para Pasárgada. Ainda assim, parece mesmo chocolate.
Mas o melhor estava por vir. Alfarroba vem do árabe al-kharub, e o que eu mais gosto é dessa vogal aspirada com cheiro de deserto. Não consigo entender porque se transformou nesse nosso “f” que a nada aspira. Dela deriva a palavra “quilate” – o leve peso de uma das suas sementes, usado pelos árabes para vender e comprar diamantes e rubis (peso, e não pureza, como indicam os quilates do ouro, o que não vem agora ao caso).
Poucas gramas de algo que se torna muito valioso: 20 sementes de alfarroba são a mesma coisa que quatro gramas de diamante. Uma parte ínfima de matéria valiosa, minúsculos cristais como os rebentos da cherovia, que agora iluminam o meu dia da cor do som aspirado das palavras árabes. Agora sim, o tanque, a louça, o almoço, os cobertores custam menos. Meu dia, que pesava poucas gramas, pesa agora muitos quilates!