Ontem à noite escolhi assistir três filmes de amor de verdade. Se os assistisse até o fim, poderia dizer se seu final é feliz ou não, mas eram filmes quase de verdade e seus finais ainda não estão escritos. Aliás, que importam os fins, se é do caminho que se perfaz o amor?
O primeiro dos meus filmes assemelhou-se ao deslumbramento de ter diante das mãos o amor que se imaginou durante anos, e poder tocá-lo; a delicada fragilidade de ter alguém à nossa espera à noite, quando há muito se desfez a esperança de que isso pudesse concretizar-se; o sutil encantamento que dura talvez não anos, mas quase eternidades. Amor juvenil, transformado em maduro pela passagem dos anos e dos dias, que cada amanhecer aproximou do real acontecer. Esse amor expressa-se nos olhos que se beliscam a si mesmos, embriagados com o outro que está realmente sentado ao nosso lado.
O segundo filme, tema preferido quando compro ingresso, conta-me do sentimento que se diz inteiro, mas se realiza aos pedaços. Do amor que é um, mas que o outro percebe como meio. De um amor que tem seu próprio espaço, cristal intacto e límpido, inexpugnável e impenetrável, mas neste pequeno fragmento que me revela o filme, esse cristal está no momento coberto, e é difícil levantar-lhe o véu. Esse amor é antigo, e talvez por isso mesmo tenha espaços difíceis de medir, equilibrar, adequar às necessidades do outro, quando se imaginava que tudo já estava construído e sólido; é um amor que exige, que demanda, que desacomoda e desarranja a cama bem feita. Esse amor rende-se às paixões que se criam à beira do caminho. O que para um dói, para o outro cura, e não é fácil estar-se do lado de cá, tanto quanto não é o lado de lá. Não há soluções, não há receitas, e nessas horas o mundo e suas regras atrapalham o fluir do que se sente, e que só encontra a saída no caminho de si mesmo.
Terceiro filme – um interregno de amor tranquilo, que volta de viagem e traz a família inteira. Um intervalo de tempo construído sobre as vitórias do percurso, sem tempo ainda para olhar-se a si próprio no espelho e incomodar-se com as imperfeições. Mas há anseios que se insinuam por baixo da toalha da mesa, e que um dia virão instalar-se em uma das cadeiras, junto aos convivas, esfriando a refeição ainda não começada.
Aos momentos do amor, quero-os todos. Quero aquele que me aquieta a alma, quero aquele que a desestabiliza e inspira, aquele que se desdobra no tempo e se revela nos anos adiante. Quero a vida à minha frente e o resgate do passado, e quero sobretudo ser capaz de que os outros queiram o que queiram, e a minha capacidade aberta e ampla de deixá-los quererem e alcançarem.
Os dilemas do amor, em filmes ou na vida real, clamam por luzes e cores, para que não nos deixemos a nós mesmos o legado triste do cinza das noites de insônia, imaginando o onde está, o com quem está, o quando volta. Vou-me deitar nesta noite desejosa de encontrar em meus sonhos a solução para as dores de amor. Mas o que mais desejo, e quem sabe consiga sonhar com isso!, é convencer-me de que meus amores estão todos ao meu redor e que os vejo a todos, e sou vista por eles, ainda que partes de mim mesma possam escapar-me e atraiçoar-me o caminho.
Quem sabe sonho com a solução para os momentos em que eu própria me desencontro do meu caminho, e permito que o mundo, e os outros na minha vida, decidam o que apenas a mim compete. Quem sabe nesse momento do sonho, como num filme de amor, os nossos olhos se dispam das máscaras que cultivamos durante tanto tempo e possam se reconhecer no brilho das pupilas do outro.
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