25/04/2012

Exercício - a mala de viagem

"Acordas-me de manhã, ainda escuro, para que faça a mala. Segredas-me ao ouvido que não esqueça de levar-te - e por isso és a primeira coisa que ponho na minha bagagem. O lugar que elejo para guardar as coisas que não quero perder, a nenhum preço.

Agasalho-te com a toalha com que me enxugarei no primeiro banho em meu destino. Uma toalha densa como as tuas mãos, para que os poros da minha pele se aqueçam na tua lembrança. Uma toalha áspera, que me arranhe e dilacere como o fazem as tuas unhas ao me arrancarem do sono.

Do outro lado, esticadas junto às tuas costas aquáticas e lisas, as roupas com que me vestirei primeiro, quentes do teu corpo que não arrefece. E depois, aqui e ali, o resto. As poucas coisas de que precisarei numa mala para ir a qualquer lugar: uma roupa para o dia, uma outra para a noite. Uma para ir dançar, o sapato que não dói, um outro que levarei para caminhar nas madrugadas da cidade aonde for. Porque sem a tua presença a meu lado meu sono é pouco, minha noite é curta, a cama expulsa-me de seus lençóis. Percorro a cidade noturna, vestida com a roupa que se confunde com as esquinas, que não desafina o coro dos seres que vivem de noite e dormem de dia. Quando a madrugada for atropelada pelo sol, troco-me por uma roupa mais leve, do tecido dos sonhos que tenho acordada.

Um perfume, talvez. Leve, como a aragem que deixas ao passares por mim na direção da porta. Como nos dias em que me acordas e me tiras da cama, dando-me banho para me despedires e para que leve em mim a marca do teu corpo todo, os teus lábios pregados a cada pequena estreiteza da minha pele.

Mas primeiro, antes de tudo, quero e deixo que me acordes. Devagar, lenta e profundamente. Mesmo com os sentidos todos já despregados, fecho os olhos e finjo dormir ainda, para que insistas no meu acordar, e fiquemos ambos inquietos, despertos, sedentos já do dia em que eu voltar.

A mala, essa, pode esperar."





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