11/04/2017

Chamada para concurso de poesia "Arte no limite humano"













Abertas as inscrições para o Concurso de Poesia Arte no Limite Humano, organizado pelo Quinta Palavra e pelo MuMa-Museu de Mineralogia Aitiara, dentro das comemorações da 15ª Semana Nacional de Museus.
Consulte o regulamento abaixo e inscreva-se.
I - Sobre o concurso
Como parte da 15ª Semana Nacional de Museus, e com a organização do MuMa-Museu de Mineralogia Aitiara e do espaço Quinta Palavra, o concurso de poesia “Arte no limite humano” propõe a reflexão sobre até onde, e de que formas e em que medidas a arte se aproxima, lida, altera e subverte o limite humano. De que forma a arte acode o ser humano quando ele toca o limite da vida, das coisas, de si mesmo? Seja o limite da dor, o da sobrevivência, o da morte, da exclusão, da arbitrariedade ou da autoridade, qual é o lugar e o papel da arte?
Assim, convidamos todos os interessados a nos acompanharem neste caminho de reflexão, abrindo as portas para a sua manifestação poética.
II – Sobre a participação
Cada participante poderá concorrer com uma poesia de autoria própria, de até 30 linhas de extensão. A participação fica vedada aos funcionários e diretores do MuMa e do Quinta Palavra.
Há duas categorias, nas quais a pessoa deve inscrever-se:
Grupo I – adolescentes, dos 14 aos 18 anos
Grupo II – adultos acima de 19 anos
III – Sobre o envio
a. Inscrição via internet, pelo email concursomuma@quintapalavra.com.br
Anexar ao corpo do email dois arquivos separados:
a) um, com a poesia, identificada apenas pelo pseudônimo;
b) outro, com os dados pessoais conforme ficha abaixo.
Poesias enviadas no corpo do e-mail não serão consideradas.
Ficha de dados
Pseudônimo:
Categoria:
Nome:
Endereço completo:
Email:
Telefones:
Pequeno curriculum vitae:
Data limite para envio: 28 de abril.
IV – Sobre a seleção
As poesias serão avaliadas por júri de renomada competência.
V – Sobre a divulgação e premiação
Os organizadores realizarão cerimônia de divulgação e premiação no dia 21 de maio, às 10h, na sede do MuMa – Museu de Mineralogia Aitiara. Rodovia Gastão Dal Farra, km 4. Bairro Demétria. Botucatu. SP
Todos os participantes receberão certificado de participação.
Os três primeiros colocados de cada categoria receberão, além do certificado, um troféu.
As inscrições são gratuitas.
Parágrafo único: toda e qualquer poesia fora das normas de entrega (digitação, envelopamento etc.) será automaticamente desclassificada, assim como poesias plagiadas.
Qualquer dúvida pode ser enviada aos organizadores pelo email
concursomuma@quintapalavra.com.br

03/02/2017

Às nossas pegadas

Samuel chegou ontem, dia 2 de fevereiro, dia de festa no mar. Menino robusto e valente, tão decidido a abrir caminho a seus passos, que se anunciou para nós primeiro com o seu pé direito. Seu pai encantou-se com os pequenos dedos dentro d'água, um homem feito em sorriso puro de menino diante do milagre e da surpresa. A mãe, nos campos do espanto, olhos imensos transbordados da água que só uma mãe dando à luz carrega dentro dela. O espanto é a alma aberta, disposta, compreensiva dos caminhos que não conhece.

Nós, os privilegiados ajudantes desse momento, silenciávamos, imersos na meia luz da hora de nascer, nessa reverência indispensável às chegadas.

Passamos o dia caminhando. Conversando. Parando para nos olharmos nos olhos e reconhecermos a intensidade da contração de anúncio e preparação. "Essa, sim, foi das boas!" E essa era a contração forte, a intensa, a vaga tempestuosa que anuncia aberturas para além das ósseas.

A meio da manhã, pensei nos que partiam. Porque sempre há, no mesmo instante, os que chegam e os que partem. O lugar de passagem é o mesmo. Nós, os que aguardamos na margem, podemos despedir os que fazem o caminho inverso, por estarmos tão próximos dos véus da vida, tão próximos que quase temos a ilusão de poder atravessá-los impunemente (não podemos).

E ontem, enquanto preparava a minha alma para saber acolher a chegada de Samuel, por uns minutos sorri e acompanhei de olhos fechados os passos dessa outra alma que partiu, e a quem demos o nome de Marisa Letícia. Nesse lugar, que tantas vezes já percebi como meu próprio, estende-se a mão àquele que assoma no horizonte, e solta-se a mão daquele que se encaminha para dentro desse mesmo horizonte. O mundo abre-se da mesma forma, com a mesma luz, o mesmo cheiro acre que desperta os sentidos e não se repete em mais nenhum lugar.

São só duas coisas que se precisam, brotando do mais fundo de nós mesmos. Respeito e silêncio. Respeito porque a vida é muito maior do que a nossa mesquinhez egoísta imagina, e silêncio, porque esse mistério que é a morte e a vida é a nossa certeza e o nosso destino. Todos por lá passamos, e todos por lá merecemos, senão o olhar terno, ao menos as pálpebras fechadas e a boca muda, quando incapaz de ver além do óbvio e da curva.

Ao Samuel, as boas vindas deste lado. E a Marisa as boas vindas do lado de lá. E o desejo de que todos nós cada vez mais façamos silêncio, tenhamos respeito e aprendamos a ter encanto pelo que, apesar do tanto que sabemos, nós não conhecemos.


12/01/2017

Os tempos morrem como morrem os homens

Os tempos morrem como morrem os homens. Podem haver imagens que fiquem gravadas e guardadas, mas há uma espécie de espírito, uma certa forma de vida e sentido, que se enterra quando aqueles que eram seus guardiões descem à cova. Morrem os homens, porque morrem os tempos? Porque a luta manifesta-se distinta? Porque os punhos se cansam de viver erguidos e sucumbem ao peso da passagem dos dias?

Vejo as imagens do primeiro dia de maio de 1974, em Lisboa (é desse dia a fotografia que encabeça esta memória, com Mário Soares e Álvaro Cunhal em primeiro plano, e é desse dia o link ao final). Sei-me ali, criança em estado de encantamento coletivo, entre aqueles que gritam o-povo-unido-jamais-será-vencido; sei-me ali entre os que ouviam Cunhal que já partiu e Soares que partiu estes dias. E penso em que como continuará no mar esse navio sem alguém à proa. Penso na memória que precisará (já precisa) ser lembrada, a memória que tenderá (já tende) a esquecer os Álvaros Cunhais, os Mários Soares, os Josés Saramagos todos que se vão sem nos deixaram no legado uma substituição à altura.

Talvez porque não haja altura. Penso Portugal e sobe garganta acima uma tristeza entre o quase raso e o quase fundo, balançando ao vento numa linha de pétalas vermelhas de cravo. Uma tristeza ocre que vou chamar de saudade desse povo que acreditava, de pés no chão e corações ao alto que, unido, jamais seria vencido.

Apetece-me gritar o mesmo. Porque a divisa mantém-se, e enquanto não nos unirmos, seremos fatalmente vencidos.

A Mário Soares, com o coração cheio dos poemas que soube de cor até o fim, uma viagem boa, uma passagem serena, uma visão perfeita de uma vida cumprida na defesa do que entendeu mais e mais importante que tudo: a democracia de um país destroçado por uma das mais longas ditaduras da história humana, como em todas as outras uma ditadura com milhares de torturados, mortos e desaparecidos. Mais importante de tudo era poder gritar aos quatro ventos essa fantástica conquista da Revolução de Abril: ser livre e ser feliz.






05/01/2017

Assim que consigo falar com a amiga querida que aniversaria hoje, essa amiga que mora longe e que eu tão pouco vejo, ganho vontade de escrever-lhe umas linhas, e a palavra que primeiro me vem à beira dos lábios é a palavra fé. Talvez porque ambas saibamos que é preciso, mas nem sempre é fácil nem eterno manter a fé a nosso lado. Ou talvez porque na missa de sétimo dia de um vizinho querido que partiu, ontem de tardinha, eu tenha ouvido várias vezes essa palavra quase-conjuro mágico: eis o mistério da fé. De vez em quando, um pouco em forma de ordem e comando, lá se repetia a mesma palavrinha de só duas letras, aqui e ali, como se nos fosse exigido tê-la, guardá-la e garanti-la a toda hora, não perdê-la de vista nunca. Como se nos fosse dado o direito, o dever e a possibilidde de manipulá-la e retê-la, fazendo-a dançar ao som da nossa própria música. Sendo que não, porque fé é matéria bastante invisível, é um desespero não a ver ao nosso lado, e um tormento imaginar poder controlar a sua presença. A fé tem vida própria. É instável. Etérea. Rebelde. Ora vem, ora está, ora vai.

De fides, palavra da qual deriva a nossa fé, nasce também a palavra fidelidade - a qualidade daquele que é verdadeiro. Veja: tem fé aquele que é fiel. Portanto, ser verdadeiro é condição sine qua non àquele que deseja a fé. E, vice-versa, é fiel aquele que tem fé, aquele que tem fides - tem confiança, crê, promete (e cumpre, imagino). Aquele que crê (credere) é aquele que acredita, aquele que acredita é aquele que confia, e todos eles têm, ao fim das contas, fé. Só que não é fácil ser verdadeiro, nem consigo mesmo nem com o outro. Atrapalham-nos mil coisas, da educação recebida ao ego inflado. Da auto-estima defeituosa ao desvio de caráter. Da sociedade que nos abalroa, ao nosso cansaço interno inconfessável. Tão difícil ser verdadeiro, quanto ter confiança (coisa que se constrói dia a dia), quanto acreditar (coisa volúvel).

A fé exige, às vezes e ainda por cima, recusar a contenda. Aceitar a perda. A incompreensão. A falta de entendimento de algo que a princípio pareceu bastante simples. A fé exige dobrar os joelhos.

Desistir. 

Render-se. 

Render-se que é dar-se outra vez (re, outra vez + dare,dar). Render-se que é entregar-se novamente, de corpo e alma, sem limites nem premissas, a algo que você já se entregou. E se entrega outra vez. 

Talvez essa seja afinal, com bastante chance de ser percebida, uma forma visível de manifestação da fé. Crê-se tanto, é-se de tal forma fiel, de tal forma verdadeiro, que a entrega é inteira, íntegra e outra vez e sempre renovada. Igualzinho como é preciso com a fé - renová-la a cada dia, através desse dar-se sem fim, sem perguntas e de olhos fechados. Como uma amizade antiga que não precisa atravessar o espaço para encontrar tempo, ou como a morte que não nos separa e antes nos ilumina o sentido da vida com mais precisão e contraste. Ou como em definitivo a entrega, a sua capacidade de mesmo de pernas quebradas resistir e render-se à necessidade constante e urgente de ter sempre sempre fé na vida e fé no outro.


27/12/2016






silêncio
no mais fundo
no poço do tempo
no fundo do poço do tempo
no silêncio do fundo do poço do tempo
no silêncio fundo e sem gosto da ponta da faca quando












15/11/2016

Quitéria


a estética do cangaço - Pesquisa Google:


Quitéria traz o cangaço dentro do sangue. Ferve, como ele, diante da injustiça. Recolhe dentro de si o desvirtuamento do pensamento, do raciocínio. Quando lhe perguntam como se fazer amar, como atrair o amor para si, ela sorri por dentro e pensa que o que é preciso é amar a si mesmo e ao outro sem esperar ser amado no retorno. Mas ela sabe que a vida pede movimento, pede que nada esteja parado. E por isso sabe que amar sem desejar ser amado, mesmo sendo destino de todos, é um destino longínquo, e nesse caminho é preciso que os olhos que amam se encontrem nos que são amados.

Quando ergue os olhos para responder, suas armas em vida estão junto a ela, e ela diz "amar é como disparar bala". Bala no cano da arma, é coisa morta, quieta, sem motivo. Cravada dentro do alvo, seja carne, seja muro, seja pedaço de árvore no caminho, já perdeu seu voo, já atingiu seu destino, já encontrou a morte no outro, já não é de quem era seu dono. Amor, diz ela, é como bala: só vive é no trajeto. As balas que se guardam, são como moedas no bolso: você pode contá-las, recontá-las, olhá-las e revirá-las. Mas elas nada dizem, nada fazem, a não ser ficarem guardadas, inúteis para as coisas da vida.

As balas que encontraram o seu alvo, essas já se foram do mundo. Transformaram-se em outros, na morte, na vida, ou naquilo que não é nem uma coisa e nem a outra. Dizem respeito, de qualquer forma, ao alvo que atingiram, e quem as disparou pode virar suas costas e seguir seu caminho no mundo.

A bala lançada, saída do cano, viaja através do espaço e não tem tempo dentro de si. O mundo para, fica mudo, só o zumbido da bala dando sentido ao universo. O amor no impulso não se mede, nem se toca, nem acaba, nem começa, nem termina, nem silencia e nem fala. Como bala saída do cano, está no trajeto de si mesmo, sem que os olhos o acompanhem e a pele sinta seu peso.

Quitéria descansa os olhos e com as mãos faz o gesto da bala. Uma e outra vez, como um cano sem fim de projéteis, um nunca acabar de amor que se dá ao outro para se ter mais em si mesmo.






20/10/2016

Agradecer-nos

Preciso te agradecer.

Por me teres ajudado a descobrir o que carregava dentro sem saber. Por teres oposto as tuas mãos ao desdobrar do meu coração.
Por teres sido da forma que apenas poderia ter sido aquele que me abriria e me colocaria de joelhos diante de meu próprio altar.

Preciso te agradecer.
E mais ainda me agradecer.

Por ter entrado e saído vezes sem conta do paraíso para cair no inferno, e vice-versa e outra vez, e não ter desistido de querer entender o que sabia ser possível saber. Por ter permitido o rasgar e o estilhaço de mim mesma, para que de dentro desse casulo saísse a que sou hoje, e que se desnuda sem pudor diante de ti para te agradecer.

Preciso te agradecer. E não é difícil nem fácil. É antes o que é, necessário e óbvio como são os passarinhos quando cantam ao nascer o sol, todo e cada dia. Preciso me agradecer por ter sabido esperar. E aguentar a incompreensão de mim mesma, a minha falácia, as minhas prisões. Sem ficar frente a frente com cada uma delas, continuaria vivendo em seu interior. Eram precisas mãos que me arrancassem para fora, e as mãos que chegaram foram as tuas. Selvagens e ácidas, e por isso mesmo o canal que necessitava.

Por isso, nos agradeço, a nós dois, e a esses momentos abertos, inconstantes e inquietos, apenas eles tranquilos em seu interior, talvez sabendo de antemão da trilha de cada um.



Imagem inspiradora: Trois dauseuses, 1924. Silkscreen de Pablo Picasso.

16/08/2016

O bode atrás da cerca

Quando Leonardo Boff publicou "Igreja: carisma e poder" em 1981, a pena a ele imposta pela Santa Fé foi a do "silêncio obsequioso". Ou seja: não mais ele poderia publicar, lecionar ou fazer qualquer pronunciamento público. 

Curioso como as palavras oferecem sinuosidades. Tudo diria que "obsequioso" se parecesse com dádiva, oferta, presente. Mas não - a pena católica é bastante dura, e tenta o mais que pode remeter o destinatário dela ao anonimato e à inexistência. No caso de Boff, não deu muito certo, porque em vez de ser efetivamente silenciado ganhou notoriedade, e com ele a revolucionária Teoria da Libertação.

Pior quando esse "silêncio obsequioso", que nos torna inexistentes, parte de dentro de nós mesmos. Em tempos líquidos, como diz Bauman, tornamo-nos gasosos quando decidimos calar. Voláteis. Sem peso nem consistência.

Como tudo tem muitos lados, e a diversidade impera, e é preciso respeitar tantos tudos que nem sabemos por onde começar, e porque seria terrível ofender alguém, a ponto de gerar indisposições... calamo-nos. E dizemos, do alto de uma benignidade mal vestida, que é preciso considerar as variáveis, respeitar processos, construir pontes entre desiguais em termos de maturidade.

Ora convenhamos.

Silenciar é muito conveniente, mas bastante ineficaz. Tanto quanto relativizar a discussão, que é uma forma mesquinha de desautorizar o discurso do outro, partindo do princípio de que tudo tem mesmo peso, sabor e espaço. O silêncio é em si uma forma de discurso, e as tentativas de justificá-lo mais ainda. E toda forma de discurso carrega em seu bojo uma ideologia, inevitavelmente ligada ao nosso particular sistema de valores e crenças que é muito, mas muito menos benigno e elevado do que gostaríamos que fosse.

Por trás dos nossos "silêncios obsequiosos" ora mora a covardia, ora o desinteresse pelo outro, ora o interesse por si próprio, ora a vontade dúbia de mediante palavras avulsas fazer chegar ao destinatário o que não teríamos coragem de pronunciar abertamente.

Um pouco como Duvivier, ando cansada desses tempos de correção em que nos eximimos de mostrar com clareza ao mundo quem somos e a que viemos. Cansada de ser levada para dentro de discursos pretensamente neutros, que, se de um lado defendem, de outro podam a livre expressão justamente dessa pluralidade que dizem defender, limpando-a dos ombros como se limpa a poeira suja dos caminhos.

Como filhos, netos e bisnetos de uma sociedade pautada e marcada pela castração e pela individualidade; pelo privilégio de poucos contra a necessidade de muitos; pela supremacia do branco, rico, culto e hetero em detrimento do não-branco, não-rico, não-culto, não-hetero,  dividimos, ainda quando não queremos, e nem sequer nos apercebemos, o mundo em alto e baixo, direita e esquerda, bem e mal, contra e a favor - mesmo que não queiramos, mesmo que nos revoltemos, mesmo que neguemos.

Recusando e abortando espaços para a exposição dessas nossas mazelas e escuridões pessoais e sociais, a única coisa que fazemos é instituir uma bula papal para a nossa vida. De nada adianta a grande reclamação da corrupção e da falta de transparência das altas esferas. As mudanças começam dentro de casa, e é lá nos cômodos que incomodam, e que se tornam mais visíveis se, por acaso, assumimos um lugar de destaque, poder ou comando. Esses cômodos, quando abertos ao público, revelam o ar que se respira lá dentro, e mesmo que se retirem móveis, cortinas, palavras, e optemos pelo silêncio, pela equanimidade, pela imparcialidade, por uma forma educada e circunstancial, todos os nossos lados, mais dias menos dias, aparecerão na sua imperfeição e falha. E inevitavelmente o bode espreitará por trás da cerca, com seu claro olho acusador.


Imagem: O Zé, em clique de Tai Ribeiro