20/10/2016

Agradecer-nos

Preciso te agradecer.

Por me teres ajudado a descobrir o que carregava dentro sem saber. Por teres oposto as tuas mãos ao desdobrar do meu coração.
Por teres sido da forma que apenas poderia ter sido aquele que me abriria e me colocaria de joelhos diante de meu próprio altar.

Preciso te agradecer.
E mais ainda me agradecer.

Por ter entrado e saído vezes sem conta do paraíso para cair no inferno, e vice-versa e outra vez, e não ter desistido de querer entender o que sabia ser possível saber. Por ter permitido o rasgar e o estilhaço de mim mesma, para que de dentro desse casulo saísse a que sou hoje, e que se desnuda sem pudor diante de ti para te agradecer.

Preciso te agradecer. E não é difícil nem fácil. É antes o que é, necessário e óbvio como são os passarinhos quando cantam ao nascer o sol, todo e cada dia. Preciso me agradecer por ter sabido esperar. E aguentar a incompreensão de mim mesma, a minha falácia, as minhas prisões. Sem ficar frente a frente com cada uma delas, continuaria vivendo em seu interior. Eram precisas mãos que me arrancassem para fora, e as mãos que chegaram foram as tuas. Selvagens e ácidas, e por isso mesmo o canal que necessitava.

Por isso, nos agradeço, a nós dois, e a esses momentos abertos, inconstantes e inquietos, apenas eles tranquilos em seu interior, talvez sabendo de antemão da trilha de cada um.



Imagem inspiradora: Trois dauseuses, 1924. Silkscreen de Pablo Picasso.

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