Escrever uma história faz desaguar
uma imensidão de outras histórias. Estou tentando chegar a qualquer estágio que
possa chamar de “finalizado” de uma história longa, mas a cada dia infiltram-se
dentro de mim novas histórias, ligadas àquela, e com elas a necessidade de
saber algo que não sei – portanto, lá vou pesquisar, e assim o final cada vez
se desaproxima mais de mim. Ainda não sei se é uma vantagem ou um
inconveniente.
Procurar informações é coisa que
gosto realmente de fazer. Em tempos de internet é uma alegria só, tudo a quase
só um clique – dois ou três, na verdade, porque é preciso checar e rechecar as
informações conseguidas. Mas é uma diversão só do mesmo jeito, até porque eu me
pego rindo o tempo inteiro, feliz de ver o tamanho do quanto o ser humano é
capaz de interessar-se por coisas tão variadas, e compartilhar o que sabe com
os demais.
Dentro da história que me tem em
mãos (porque já passei do ponto em que eu (achava que) a tinha nas minhas próprias),
aparece-me de repente um livro antigo, com data de impressão de 1888, um
espécime daqueles que precisavam ser abertos pelos seus primeiros donos, com
aquelas faquinhas que os avôs burgueses ofereciam de presente de aniversário a
seus netos nos natais de meados do século XIX – o status da leitura alcançava
cada vez mais pessoas à época, e as tais faquinhas (cabo de osso, cabo de
madeira, cabo de pedraria trabalhada) foram um hit das compras naqueles tempos.
Os cortes dessas faquinhas
deixavam uma peculiar textura no corte das folhas, irregular e manual, e é
justamente para essa sensação concreta que eu preciso achar uma palavra, que a
um só tempo descreva a textura, o sentimento, a tepidez desse tempo gasto em
abrir folha a folha a história de uma história, e deixar essa marca inconfundível
no corte de frente do livro.
Por isso a pesquisa: que terão
dito outros sobre essa impressão, essa percepção tátil tão sutil e ao mesmo
tempo tão potente? Eu mesma abri vários livros dessa forma, de Júlio Dinis a
Vitorino Nemésio, mesmo tendo o século XIX beeeeem às minhas costas – mas não consigo
evocar em uma palavra o sentimento nostálgico que me provoca lembrar o desejo
de não antecipar o que vinha depois, abrindo mão de abrir tudo ao mesmo tempo.
Nessa pesquisa, descubro um
alfarrabista dedicado aos livros raros: entre outras coisas, tem à venda um
João Cabral, “O engenheiro”, autografado e dedicado (carinhosamente dedicado,
diga-se de passagem) por R$2.900,; um Guimarães, um Mário de Andrade, todos
eles autografados e a esses preços que só podem me fazer mesmo sorrir...
Algumas dedicatórias mais entusiasmadas (mais caras); outras mais protocolares
(entre as caras, as mais baratas). Descubro também uma pequena gráfica do norte
do Rio de Janeiro que publica tiragens pequenas com o detalhe do “primor da
perfeição”, pago conforme: uma luxúria de possibilidades de acabamento, de
papeis, de dobraduras, de cortes, de aberturas, de fechos, de facas especiais
que recortam silhuetas também especiais em qualquer tipo de papel.
O livro do meu livro aguarda
pacientemente na janela aberta do editor de textos, piscando aqui embaixo, doido
pra chamar a minha atenção para o que deve ser o centro inequívoco do meu
interesse e trabalho – um piscar tranquilo, certo de que em algum momento desse
prolixo divagar pelas informações do mundo virtual eu me lembrarei de que ele
precisa de uma palavra para se tornar visível. Para ser real. Para permitir que
eu feche os olhos e veja o onde, o como e o com quem. Para que eu possa
tornar-me papel e deixar de ser sangue incandescente nas artérias.
(Termino sem a
palavra... se houver quem queira colaborar, será uma alegria!)
(A foto é de um projeto do blog 3 R's :