Hoje assombra-me um coração conciso. Fino
como tapete. Sintético como verbete de dicionário. Espremo-o, e o suco é
pouco. Não o provo, porque desconfio que possa amargar-me o tempo. Salvam-me um lápis denso, o papel, as palavras que me rondam. Esvoaçam em volta de mim como
noturnos insetos perdidos. (Nessa ordem é o seu esvoaçar: na noite, a asa, o
desestino.)
Acendo-me e eles agitam-se mais;
posso ver-lhes, através do opaco que se instala no ar ao redor, as asas - e a letra com que iniciam seu nome. Só
assim meu coração sossega. Olha-se no espelho e diz-se: calma. Encolhe-se para
caber no tamanho da minha vida e diz-se: calma. Respira e avança despreocupado da
vidraça estilhaçada que lhe serve de chão e diz-se: calma. Olha-me com seu olho fixo, rebrilham fé e paciência caninas, e diz-se: calma.
Pode ser que seja o Mercúrio
retrógrado. O inferno astral. A lua chegando ao seu desconfortável pleno. O dia de sol enevoado. A
vida cheia de coisas que não cabem nos poucos minutos com que se faz uma hora. O
desencaixe da alma. A saudade. A falta dela. Os fechamentos de
um fim de ano.
Mas é só um coração conciso,
apertado entre o sentido e o prendido, o vazio e o transbordante, a firmeza e a
vontade gritante de se esvair como faz o sangue cáustico a inundá-lo, indiferente à
vida que nada entende.
Um coração breve,lacônico,resumido,sucinto....
ResponderExcluirfui até checar no pai dos burros se eu sabia mesmo o que era conciso. Depois percebi que o estranhamento era do meu conhecimento do seu coração assim.
No fundo das minhas entranhas ou das suas, mergulho levada por estas palavras tão fortes e tão profundas, mas como sempre, também tão éticas e estéticas.
Calma minha pretinha, calma..."Quando a calma abranda as ondas da alma".....
A Vida é o bote salva-vidas no mar revolto das águas de si mesma.
ResponderExcluirEunice, Aléssio: são vcs meu bote salva vidas!
ResponderExcluirPerguntaram-me hoje de manhã se meu coração está conciso: ela vai e volta, a concisão...