(a propósito da exposição de Alberto Pinheiro no MAC de Botucatu)
Aprendi hoje que resistência à dor é a diferença entre dois valores: o limiar de dor e o limiar de tolerância. O primeiro é aquele ponto ou momento em que se reconhece como doloroso um estímulo (por exemplo, água a 44°C para a maioria dos mamíferos). O segundo, o momento em que esse estímulo alcança tal intensidade que deixa de ser aceitavelmente tolerado (no mesmo exemplo, água a 48°C). A resistência à dor é a diferença entre os dois limiares. A dor a que podemos aceitavelmente resistir. Dores de parto podem estar muito próximas a esse limiar de tolerância, e portanto ir além do que entendemos como resistência à dor. Cheguei à conclusão, depois de sete dessas experiências que Santo Agostinho dizia livrarem-nos a nós, mulheres, da impureza que está na origem do ser gerado, de que o limiar de tolerância obedece também à nossa capacidade de controle, acomodação, aceitação. Assim como obedece aos decretos silenciosos da sociedade em que nascemos e daquela que escolhemos ter como nossa, e por isso assumimos os riscos de a querer transformar.
A exposição em cartaz no MAC de
Botucatu, de Alberto Pinheiro, fala-me dessa resistência; sem palavras e sintomaticamente
com muito ferro. Em cada peça, os dois limiares nus e crus: a dor que se aguenta
e a que se torna insuportável. O resultado da exposição é a esperança: a
resistência à dor; o tomar a transformação nas próprias mãos mesmo quando por entre elas parece escapar-se tudo.
Fiquei presa, muito tempo, diante
da figura de uma arqueira, logo à entrada. Voltei mais tarde outra vez, porque
a figura diz-me algo. Sim, o pássaro do pré sal também me diz, assim como o
namoro sob a lua e a família da dependência química sob um chão de ilusão transparente.
Mas a arqueira, a sua leveza, a sua precisão, a sua procura do alvo necessário,
prendem-me o olhar. Estaco diante dela e diante da dor que a põe de pé e a faz
levantar o arco: é a sua resistência que me fez voltar.
Impressionam-me, aqui e ali, as
possibilidades infinitas de transformação da realidade em arte com que o
Alberto vislumbra o oculto. Como desoculta e transfigura a verdade dura do
ferro e encontra um mundo novo ao seu redor. Na matéria que é, pelas suas mãos,
retornada ao seu caráter de espírito.
Conviver com o Alberto, seja aqui
por meio das suas peças, seja ao vivo quando o encontro, provoca-me a mesma
sensação: a da premência do olhar direto e em frente, solene e compassivo
diante da quebra alheia, da desistência, da dor e de todos os seus limiares. Um
olhar que apreende do outro mais a coragem da falta do que a falta da coragem.
Porque é possível agrupar as palavras conforme queiramos, assim como é possível
agrupar as nossas dores e colocá-las a serviço do outro. Ou não. O Alberto
escolhe o sim. E eu escrevo para agradecer-lhe por isso.
Exposição “Metamorfose”,
de Alberto Pinheiro
MAC - Museu de Arte Contemporânea Itajahy Martins - Av. D.
Lúcio, 755
Terça a sexta das 9h às 17h; sábado, domingo e feriado
das 12h às 17h
Até 4 de dezembro
Eu tb fiquei super tocada com a exposição.
ResponderExcluirCom a ressignificação do Alberto.
Obrigado Alberto e à você Ana por sempre saber por com tanta precisão as palavras.
Me ressignifico com vcs
Gratíssima
TEM A ARTE DE FAZER A ARTE,A ARTE DE SENTIR A ARTE,A ARTE DE FALAR DA ARTE E A ARTE DE SER E VIVER COM ARTE...
ResponderExcluirANA,VC É A ARTE QUE PERMEIA POR NÓS..OBRIGADO,MINHA AMIGA!!
Bjs bos dois, Eunice e Alberto!
ResponderExcluir