É noite escura. Lá fora só o piar de uns poucos pássaros. Aqui dentro, as velas. Quitéria, de manso, está à minha frente. Sei porque sinto, não porque vejo. Nem ergo a cabeça. Meu foco é o papel e minha bússola o lápis. Foi assim que ela disse, e assim é. Ela é a letra do ensinamento, nas suas frases curtas, nos seus silêncios que tento decifrar inutilmente, porque silêncio é silêncio – você já devia saber disso, ouço-a pensar. Entre os silêncios, as palavras. São estas.
“Se vos atracardes como barco que
ama o cais, não saireis nunca do lugar onde permaneceis. O cais são as vossas
certezas, as vossas abrangentes certezas.
Espírito de aventura chama-se
entrega. Não é possível cristalizar a entrega. As coisas não são da maneira como
gostais delas, mas da maneira como têm de ser. Quando antes entenderdes, menos
sofrereis o desnecessário, e menos fareis os outros sofrerem com a vossa
indecisão inquieta.
Há um plano para tudo, e tudo
está em seus lugares. A teimosia de sempre querer sobrepor-se e saber mais e
melhor é o oposto da humildade. Assim que se formar o pensamento “eu sei fazer
melhor” o caminho afastou-se do humilde. A humildade treina-se no silêncio e na
renúncia a interferir. Em ambos. Não em um, ou em outro. Nos dois, um após o
outro.
A humildade treina-se no abdicar
da vontade, no reconhecer a própria insuficiência, a própria irrelevância, e no
deitar no chão do congá sabendo que não se é mais do que ele é.
Cuidar da própria vida, costurar o
próprio processo e não interferir no do outro é indispensável à evolução
coletiva.
Concentrai-vos na tarefa que
tiverdes em mãos, executai-a de forma perfeita – o vosso perfeito é a vossa
superação. Depois desintegrai o vosso fazer e assumi outra tarefa, em silêncio,
como um ser anônimo de uma multidão – a dureza do vosso grão de areia precisa
com urgência da pequenez da vossa gota d’água. São indissociáveis, mas só
sabereis disso quando reconhecerdes a dureza e a pequenez em vossos atos e em
cada um dos vossos órgãos.
Não interessa o que já fizestes
ou deixastes de fazer. Interessa o que fareis agora. Sem interesse por
reconhecimento, elogio ou agradecimento. Sede gratos por terdes o que fazer. É
o suficiente. Agradecei as correções. Assumi o que podeis e o que não podeis.
Não vos desculpeis por trás de desculpas vazias. Os tempos são por demais
desafiadores, e cada um de vossos músculos deveria já estar sentindo isso e
agindo de acordo.
Esta vida precisa valer a pena. O
trem está de volta na estação, retrocedendo para que vós, que ainda estais
parados no cais, possais dar o passo e subir. A limitação é aparência. O ser é
feito de espírito.
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