01/02/2010

E o vento levou?

O processo de escrever crônicas, descobri estes dias, demanda um afastar-se consciente da questão sobre a qual se quer escrever, pois assim as coisas deixam de ser apenas e tão somente reflexões pontuais. A escrita, já se sabe, é uma forma de intervenção no mundo; pode ser que não o transforme, mas explicita posicionamento. O poeta Ivan Junqueira diz não acreditar que a poesia transforme o mundo, mas considera-a fundamental para o processo da vida humana. Enfim: sirvo-me da escrita, quantas e tantas vezes, justamente para isso – para entender melhor, e dividir meu entendimento com os outros em forma de letra.


Dividir-se com os outros reserva-nos surpresas. Às vezes somos ouvidos, outras (ó glória!) compreendidos. Os outros ouvem, compreendem e devolvem-nos pedaços que perdemos ao nos olharmos no espelho. Junto as duas coisas para chegar ao tema desta crônica: a necessidade de enviar para longe aquilo de que quero falar, e ao mesmo tempo dividir-me a ponto de ser ouvida, quem sabe ó céus compreendida.


Sendo assim, empreendo o movimento de afastamento do assunto que me ocupa hoje e, afastando-me, descubro em mim a possibilidade de que aquilo que pareceu, à primeira vista, a negação do direito de se dizer, tenha sido algo bem diferente: uma rajada forte, um esticão súbito, seguido de um vento alucinante que tenha arrancado para longe a faixa que constatava, em meio ao cenário lamentável em que se transformaram as nossas ruas demetrianas, que “asfalto faz falta”.


É claro, penso eu agora, que nunca algum dos meus vizinhos, pessoas que se prezam pelo respeito à manifestação do outro, pessoas que querem nortear-se por ideais elevados que permitam que cada um seja quem seja (em liberdade, como postula aquele que invocamos diuturnamente para nossa inspiração), arrancaria uma faixa que manifesta um desejo e uma opinião que, acrescentados, transcendem os limites do individual. Não deveria, penso ainda, ter imaginado que alguma destas pessoas, a quem quero bem e desejo felicidade, se ocuparia em podar não as árvores mas, prepotente e arrogante, o direito alheio à expressão de ideias. Seria lamentável se fosse diferente – todos sabemos o quanto as ideias não têm dono, e nem as pessoas.

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