Apesar de poder ter vários
motivos para ter ido à missa neste domingo de Ramos, apenas um me fez por as
pernas em movimento. Poderia ter ido porque, de fato, acho que este é o mais
bonito domingo do ano. E isso talvez se deva (mas não é verdade) à cena de
Jesus entrando em Jerusalém ao som de Hossana-hei-sana-sana-sana-ho de um Jesus
Christ Superstar que vi até os olhos me doerem. Ou talvez se deva (embora
também não seja verdade) ao trecho do evangelho de Lucas, em que Jesus sabe o
que se vai passar daí a horas com os discípulos, e eu inquieta “mas eles não
perceberam o que aconteceu?!” porque Lucas não diz nada do que os discípulos
sentiram. Aliás, Lucas conta o que se vê, não o que se sente. (É aquele mesmo
trecho em que Lucas diz que Jesus diz, com uma atualidade que nos acompanha
desde sempre, que “se eles se calarem, as pedras gritarão”.)
Mas não. Mesmo sendo este o mais bonito domingo do ano, não é por isso que vou à
missa de Ramos, e que me lembro de levar um galho de folha de palmeira, e que
entro calada e um tanto alheia dentro da igreja, e que se me enchem os olhos de
lágrimas quando a procissão entra sacudindo as folhas e a igreja retumba com o
padre (que canta bem) e se enche de verde, seja ou não a cor da esperança.
Estou aqui porque lá, longe, do
outro lado do mar, sei que as minhas tias estão também em alguma missa de
domingo de Ramos. Pressinto-lhes o passo nos adros de todas as igrejas em que
estiverem, e quero que saibam que estou num adro semelhante. Assim que fecham
os olhos, que também se lhes enchem de lágrimas, quero que saibam que também os
meus transbordam. E não porque os padres cantem bem, ou a imensidão verde dos
campos do Senhor invada as naves de todas as igrejas em que estamos. Não por
isso.
Estou aqui porque preciso fazer
algo que me diga, e concretize, e garanta, e torne nítido como uma manhã
açoriana, que o tempo e o espaço são nossas criações, e nada mais. Que não nos vamos, porque sequer chegamos. Que o lá, e o aqui, e o do outro lado são as mesmas coisas, vestidas de tules diferentes.
E por isso, porque são criações e
não realidades, com os olhos fechados neste domingo de Ramos, vejo a mais nova
das minhas tias. Vejo-a no seu riso rouco. Vejo-a nos seus dedos que como os
meus têm as unhas roídas. Vejo-a na sua recitação acelerada do Pai Nosso nas
missas de domingo. Vejo-a deitada ao meu lado, ambas cativas de hepatites
gêmeas. Vejo-a hábil à máquina de costura. Vejo-a modelando flores de papel
para uma festa na garagem nas Caldas. Vejo-a gargalhando. Vejo-a por entre as
nuvens de fumo dos seus cigarros. E vejo-a quando uma voz tão conhecida diz “Ó Manela, então já cá chegaste?!” e eu viro-me e são ela e meu pai, que me acenam do outro lado do
tempo e do espaço, e me dizem “até logo” e se afastam, porque a minha avó os
chamou também de outro lado, e eu fecho os olhos porque as saudades impedem-me
de querer ver o resto.
E volto à missa, e ao domingo de Ramos: esse domingo tão
lindo, acho, porque nos diz que tudo o que será já é, e nós sabemos. Só fazemos
de conta, às vezes, que não.