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10/12/2013

Cortinas


Acordo cedo. Talvez as tarefas do dia de hoje tenham me tirado da cama, ou talvez eu precisasse amanhecer de olhos abertos. Pra não errar o caminho. Como diz Rubem Alves no documentário Eu Maior, vão nos acontecendo as coisas que não programamos, e por isso chegamos onde chegamos.

Preciso abster-me, neste fim de ano, de prestar muita atenção à mente inquieta que indaga quais os sentidos, se é que os há, nos rumos que a vida toma. Vou deixá-la passar, à mente, e vou deixar passar os rumos também. Atrás fique o que deva ficar, o que não acompanha, os passos em desequilíbrio. Na vida, como no resto, dá-se o que se tem. Constatação óbvia com que às vezes nos entretemos: as justificativas genéricas não se aplicam a situações específicas, e por isso é preciso cuidado com o equilíbrio entre o que se dá e o que se recebe. Não é bom deixar os outros vazios.

Ontem mesmo, num dos últimos grupos de Escrita Criativa do ano, falávamos de Rubem Alves. Depois de ler um de seus textos, decidimos escrever por associação de ideias, e o ponto de partida foram cortinas. Como uma gota em meio ao nada, uma lágrima que resiste a cair, nem sei se minhas companheiras perceberam, mas as pernas me faltaram. Qualquer coisa à toa, como essas cortinas esvoaçantes na memória, pode me tirar a sensação de ter pernas, e a vantagem é que vou ficando treinada em subir e descer delas. Todos os companheiros de escrita deste ano foram inestimáveis em oferecer-me substâncias, momentos e processos de manter-me em cima das próprias pernas. Sou-lhes grata, nem sabem quanto.

Dessa associação de ideias surgiu o texto que segue abaixo, e que aqui faz as vezes de um convite a que os textos de todos se façam presentes, assim, livremente, sem necessitar que exista sentido. Por associação de ideias, sem compromisso, a não ser com o fluxo da palavra e dos corações em estado de aberto.


"Quando as cortinas da vida se fecharem para Rubem Alves, uma porção de anjos sorridentes estará à sua espera do outro lado. 
Não foi ele quem disse que morrer é estar do outro lado do caminho, mas bem que poderia ter sido. Estar do outro lado do caminho, de vez em quando, seria uma boa distração para quem está do lado de cá das cortinas.
Do lado de lá poder-se-ia, por exemplo, tingi-las com as cores que as nuvens devem ter do outro lado - cores mais etéreas, penumbra mais palpável, menos vincos, menos dobras. Do outro lado do caminho, as cortinas devem ser todas de tecido levíssimo, para que o céu não caia sobre quem ainda não as abriu.
Os santos conseguem atravessá-las, a essas cortinas, quando ainda estão do lado de cá. Deve ser fruto do profundo desprendimento que desenvolvem com os pores do sol, as árvores e a vida deste mundo. Gosto de pensar em desprender-me, mais do que pensar em desapegar-me. Os santos não dão às coisas do mundo a mesma importância que os mortais comuns damos; ficam mais leves, mais transparentes e levitam e flutuam pra lá, e logo depois de volta pra cá. Quando voltam, são capazes de proezas que nós, que não estamos aptos a passear no umbral com tanta naturalidade e franqueza. Como Santa Teresa de Jesus, com o seu "Nada te turbe, nada te espante, solo Dios basta". A minha memória anda perdida atrás das suas próprias cortinas, não consigo lembrar-me do poema inteiro.
Quando Rubem atravessar a cortina, com certeza levará um susto. Talvez espere uma coisa, desconhecida e aterradora, ou desconhecida e iluminadora, e verá que não há nada que já não tenha visto. A verdade é que Rubem anda, há anos, espreitando o outro lado da cortina e trazendo-nos notícias. Só que não sabe disso, e nós apenas intuímos que assim seja."


Feliz terça feira!