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19/05/2019

Estar acordado

(Ao amigo querido que anda a embrenhar-se pelos territórios vastos da origem das palavras. Um prato cheio, posso dizer-lhe, cheio de boas tentações, e sustos pelo meio. Ao longo de anos nesses campos, sei que encontramos as palavras que nos respondem quem somos e onde estamos. E, às vezes, isso pode não ser tão agradável quanto pareça à primeira vista. Se, por um lado, as palavras nos fazem sonhar, por outro pôem-nos a sangrar.)



A palavra de hoje, vigília, foi pedida há alguns dias. Para que fosse praticada, e com consciência, que é o que nos deveria mover de um lugar ao outro nestes tempos. Saber o que se faz. Vigilia é o oposto de estar a dormir. A sua raiz latina gira em torno do prestar atenção. Aquele que está em estado e atitude de vigília é aquele que está acordado, que cuida, que vigia. Pela origem mais antiga, no indo-europeu - weg, chega-se ao ser ativo, ser forte. A mesma raiz deu também origem à palavra que nos faz rápidos, vivos e velozes: -velox.

A Casa de Umbanda que tenho a honra de dirigir está, durante as próximas semanas, em atitude de vigília. Todos os dias, às 13h e durante meia hora, as pessoas reúnem-se para exercitar o estar acordado, ativo, em posição de cuidado. Com consciência e com disciplina, dia após dia somos chamados a esse treino que, por arte de mágica, se estende ao resto das horas do dia. Nem sempre vêm todos, nem sempre se está confortável. Um dia após o outro, como deve ser, tentando ser melhor que ontem e pior que amanhã.

O mundo espiritual, e a vivência religiosa, permitem dessas coisas. Que se treinem atitudes e posturas na direção de um mundo novo, e isso modifica o aqui e o agora, a relação que tenho comigo mesmo e a relação que cultivo com o outro. A Umbanda, e acredito que todas as religiões, é para ser vivida todos os minutos do dia. Modificar quem somos, melhorar aquilo que fazemos nem sempre é fácil; na maioria das vezes, é bom ter ajuda.

A vigília é uma dessas ajudas. Um chamado para parar e estar atento. Prestar atenção aos seus movimentos, às suas ansiedades. Escolher desligar-se das comuns obrigações e simplesmente estar. Lembrar-se de estar. Até forçar-se a vir. Encontrar o tempo de juntar-se a si mesmo para caminhar na direção de ser uma pessoa melhor - mais aberta, mais alegre, mais solidária, mais afetuosa, menos julgadora, menos preconceituosa.

Nesta vigília que nos foi pedida, dizem-se orações e cantam-se canções. Não é preciso mais do que isso, porque a intenção é abrir os canais do coração, cultivar essa paz que tanto queremos.

Gandhi dizia que a oração dita em voz alta faz abrir-se o coração. Por isso, as vigílias dizem orações. As vigílias cantam. As vigílias contemplam. Abrem o centro cardíaco do nosso ser à vivência do que não é palpável. Pedem-nos disciplina, abertura e entrega; preparam o futuro, e aqueles que podemos vir a ser.