Gosto de conselhos, e gosto tanto da pessoa que me oferece este, que só por isso vou em busca de coisas leves. Dessas que têm o poder de deixar as pessoas numa espécie de estado de graça que, mesmo não sendo aquele da crônica da Clarice Lispector, dão a impressão de que sim. Apetece-me pesquisar sobre editoras, por exemplo. Estou mesmo à procura de conhecer algumas que há anos aprecio, este é um excelente momento. Vou começar pela Peirópolis.
Ora bem: antes de chegar à editora, descubro que Peirópolis é um bairro rural da muito mineira Uberaba (assim é o google: querendo uma coisa às vezes caímos em outra). Bonito, parece. Pela foto. Durante anos famoso pela extração de calcário. Chama-se assim por causa do espanhol que lá pelos idos de 1911 o explorou: Francisco Peiró. A ferrovia, que naquela época já atravessava o triângulo mineiro e levava os peiropolinenses pelos 21 km que os separam até hoje de Uberaba, passou quase 90 anos colorindo a paisagem com essa linha em movimento que são os trens. Depois, o mundo (essa coisa que nunca sossega, segundo Camões) precisou de energia elétrica, e lá se inundou um pedaço de chão para o lago de Jaguara nascer, hidrelétrica acoplada. Metade da ferrovia virou um ser subaquático.
Anos passados da morte de Francisco, Peirópolis recebe a visita do gaúcho Llewellyn Ivor Price. Nome nada comum a um gaúcho dos pampas. Mais precisamente, de Santa Maria. A mesma Santa Maria enlutada da boate Kiss.
Llewellyn foi estudar no país de seus pais. Em Harvard, USA. Tornou-se professor de lá mesmo, paleontologia. Quando voltou ao Brasil, porque nada lhe conseguia acalmar a saudade do cheiro das terras do sul (e se não sabe do que se trata leia Érico Veríssimo que descobrirá), lá passou as décadas de 40 e 50 em expedições por todo lado. Hospedou-se no Colégio Centenário, escola só para meninas, lá na sua cidade natal, chamado assim por ter sido fundado no mesmo ano da Semana de Arte Moderna, cem anos passada a Independência. Llewellyn devia gostar de ouvir as aliterantes Miss Louise e Miss Eunice, as missionárias americanas que fundaram o colégio, discorrer sobre a sua nobre e grandiosa tarefa, até chegarem à frase que conseguiu sintetizá-la: educar a mente a pensar, o corpo a agir e o coração a sentir. Se eu quisesse pensar em educação agorinha mesmo, escolheria essa frase, o ano em que foi dita e o tempo que nos separa dela para tecer algumas ideias. Mas como eu não quero, só reparo ainda que o Colégio Centenário mudou: na década de 70 (a mesma em que a ferrovia uberabense foi engolida pelas águas) passou a admitir meninos, e o pequeno chalé cresceu tanto que hoje chama-se também FAMES (Faculdade Metodista de Santa Maria). As bandeiras a meia haste ainda ressoam a consternação pelos alunos e pelas famílias soterradas pela dor do início do ano.
Mas eu estava em Peirópolis e para lá retorno, pela mão de Llewellyn. Literalmente. Eram seus os dedos nodosos que desencavaram de dentro das rochas e do calcário ossos e mais ossos, num destino arrastado que todos os palentólogos devem ter em comum. Pacientemente, organizou esse quebra cabeças de uma só cor. Dias e dias. Quando terminou, afastou-se alguns metros, coçou lentamente a orelha esquerda e segredou a seu assistente, um jovem de óculos de aro de tartaruga que mal lhe cabem no rosto estreito:
- Lars, esse é o Uberabasuchus terrificus.
Durante todo esse dia, que era de verão mas não de calor desmedido, Llewellyn ficou-se por ali, enamorado da própria recriação, imaginando os 300 quilos que um dia animaram aqueles ossos, os seus movimentos sinuosos de antepassado crocodílico.
No dia do ano de 1980 em que Llewellyn descansou desta vida, o homem que escavou o país sentiu em si mesmo o peso dos anos e o peso dos ossos. E chegou à conclusão, antes do último expirar, que de nada adianta tentar fugir ao peso com que a vida nos persegue. E eu, que procurava coisas leves com as quais ir-me deitar descansada, acho-me agora com uma meia dúzia de sites que quero ler. Todos sobre dinossauros. E nem um que me dê notícias da editora que me apetecia.
(Para bem da verdade, não foi Llewellyn que nomeou o dinossauro uberabense. Desde as suas escavações em Peirópolis precisaram passar-se muitos anos. O Uberabasuchus terrificus nasceu para a posteridade perto do ano 2000.)
Genial Ana... é essa vida sem peso que vivemos hoje. Será que precisamos dele para viver com profundidade? Ou então, basta que sejamos vastos para sermos profundos?
ResponderExcluirGrande sítio paleontológico ,Peirópolis,e também lugar de pesquisa e de atendimento pela fitoterapia nas mãos do grande Sr. Langerthon
ResponderExcluirmuuuuuuuuuuuuuuuuuiiiiiiiiiiiitooooooooooo bom... que tal, agora um relato sobre a editora???kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirquem sabe encontras mais sites e mais histórias...ah!!! o google!!!
Lindo!
bjs
Fer
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir