Avanço noite adentro olhando de soslaio para as tarefas que preciso cumprir – seja terminar o romance em mãos até o dia previsto, seja dar andamento à tradução com prazo. O olhar que tudo me devolve é esse: tarefas sem cor a serem cumpridas no tiquetaque do relógio. Por isso, faço uma pausa para inventar outra coisa, para que as horas que se aproximam me sejam produtivas. Palavras em forma de crônica às vezes servem para isso – para desempoeirar a noite, para temperar as horas de qualquer sabor que se invente mais colorido e transforme tarefas em alvos a serem atingidos alegremente.
Passei o dia com uma ideia em movimento dentro de mim: dos vários perigos que rondam as palavras, o maior deve ser o que ronda as que agregam no seu começo o prefixo sub. Tudo o que vem depois dele, antes mesmo que comece a ser, apresenta-se logo diminuído. Como uma maldição, uma sentença, um aviso em letras garrafais. Casas subavaliadas, por exemplo: moradias às quais não se presta a atenção devida. Palavras subentendidas: correm o risco de nunca serem realmente percebidas tal qual se queria, e tornam-se menores em importância. Atitudes subreptícias: esgueiram-se por onde não devem, e tornam-nos menores do que esperamos tornar-nos. Propagandas subliminares: atingem-nos sem que possamos nos defender, e esmagam-nos até sermos menos do que somos.
Estimar é gostar de alguma coisa, ou pessoa, e cuidar dela. Da maneira como ela precisa, que às vezes não é muito exatamente a nossa própria maneira. Uma arte, desapegar-se de si mesmo para agregar o outro, dar-lhe o valor que tem, partes diferentes confundindo-se num todo maior, sem subs de permeio. Quando se gosta menos do que o outro merece, e quando se cuida menos do que o outro precisa, subestima-se o que ele é. E ele diminui.
As palavras podem fazer-nos definhar. Por isso o perigo.
Em momentos assim, é como se mergulhássemos o ouro que temos nas mãos em águas turvas. Perdem-se as mãos e perde-se o brilho. Desperdiça-se tempo, dedicação, atenção, pensamento. É preciso, a todo custo, equilibrar opostos, desviar de contradições, aproximar o que é diferente através da aceitação – e talvez a mais difícil seja aquela que nos diz respeito, a nós mesmos, as nossas pequenas diferenças, agulhas espetadas em nossos pontos mais sensíveis. Não somos iguais o tempo todo, mas não precisamos ser subnada: como vários eus que se encontrassem e transformassem o espaço entre si numa festividade alegre.
Às vezes antíteses, às vezes paradoxos, nossos sentimentos tendem ao inteiro, mesmo quando os tentamos converter em subprodutos da nossa matéria. Não se pode viver em subtração, em subdivisão, num subtempo que tenta a qualquer preço converter-nos em subpessoas, vivendo às metades cada parte do dia, deixando para logo mais o que deveria estar e ser, estendido em nossas mãos, a todo momento.
É preciso guardar o ouro no lugar em que brilha, e não nas profundezas do que subjaz. É preciso sobreviver. E as tais tarefas, que de longe pareciam submeter-me a uma prisão sem grades, reluzem diante de mim como a própria sobrevivência. Deixo tudo em mim em aberto, e avanço para cada uma delas como se de ouro puro se tratasse. Limpando os sub que se interpõem entre a vida e eu. Arejando os quartos onde a vontade mais profunda se detém, à espera.
Ana, que lindo isso,guria! Thanks, me valeram muitas destas palavras especialmente hoje.
ResponderExcluirBeijoca com amor e LUZ!
Neca