Conta-se em Timor que, antes de tudo ser o que é, nada nascia, nem crescia, nem falava, nem morria. As pessoas não envelheciam, tampouco eram geradas, o tempo não existia e, se bem me lembro, nem o espaço era algo muito concreto e palpável (talvez, justamente, porque esse seu primo Tempo não existisse). As coisas mudaram, e passaram a ser como são, no momento em que alguém, ao olhar para o céu e descobrir a lua que, semana trás semana, mudava de figura, espantou-se e, em seu espanto, esboçou uma pergunta. A pergunta lançou-nos neste caminho de morte e vida que nos acompanha desde então, e desde esse dia as crianças passaram a nascer e toda a vida a seguir o curso que lhe conhecemos hoje.
Hoje de manhã, enquanto os jovens do Ensino Médio da Aitiara cantavam, despedindo-nos a todos do nosso vizinho e amigo Peter Dauch, não pude evitar fazer-me perguntas, como essas que conseguiram tirar o mundo da sua imobilidade, uma imobilidade que repentinamente se confrontou com o tempo invadindo as nossas vidas e o espaço avolumando-se entre os que ficam e os que vão. Perguntava-me como é possível que de tão alegres possamos estar tristes, e, de tão tristes, alegres. Como é possível que as lágrimas que despedem o nosso amigo Peter sejam na realidade uma alegria por ter convivido com ele, por ter-nos sido possível observar-lhe a dedicação tranquila e amistosa a causas que não precisaria abraçar, mas abraçava, por ter-nos sido possível apreciar-lhe o gosto pelo convívio semanal com os amigos em uma stammtisch que a partir de hoje com certeza lhe sentirá a falta física. As nossas lágrimas choram-nos a nós mesmos e às saudades que pressentimos. Um pedacinho de mim chora também pelo leitor atento que perco, pela falta que me farão os comentários sinceros e amigos que teceu a alguns destes textos que envio, e que não sei se alguma vez agradeci como vejo agora que deveria ter feito.
Com tudo isto, veio-me uma vontade grande celebrar essa nossa possibilidade de estarmos juntos, essa felicidade que às vezes se traduz em lágrimas e da qual tivemos, neste tempo de convivência com o Peter, exemplos bastantes da sua necessidade e importância. Posso imaginar que nosso amigo gostasse de nos ver reunidos em sua homenagem, em volta de uma mesa, comendo alguma coisa enquanto nos lembramos dele e o carregamos para a eternidade nos nossos pensamentos. As portas para esse encontro estão abertas e qualquer alimento pode ser dividido entre todos, como uma amizade bem cimentada, que podemos compartilhar porque sabemos como multiplicá-la.
Querida Ana,
ResponderExcluirMe tornei uma leitora assidua dos seus contos. Sinto um sossego engracado e uma paz dividida, uma saudade das minhas raizes divididas. Esta se tornando um refugio das inumeras controversias que tenho enfrentado no meu dia a dia.
Senti um aperto no peito ao ler "Ao amigo Peter", que palavras e sentimentos tao lindos... aprendo muito com voce.
-Margare