15/06/2010

A vértebra

Creio ter conseguido, finalmente, delimitar o espaço exato do nascimento de uma crônica. Entre a 3ª e a 5ª vértebras torácicas, o que não é assim um ponto realmente exato mas assim é a vida, nem tudo o que parece ser o é de fato e é bom que nos acostumemos sem demora a isso. Mas de qualquer forma um espaço feito de incomum amálgama de agonia e êxtase. Uma necessidade imperiosa dentro de um recipiente feito de um tipo de vontade que se dissolve violenta em si mesma.

A dúvida entre a vértebra exata está na posição que o corpo assume ao escrever, e não nas palavras em si. Depende muito mais do lugar onde se escolhe escrever, que por sua vez está muito mais ligado àquilo que dentro decidiu dizer. Se de lado ou se sentada, a vértebra em questão altera a sua posição em relação ao eixo que considero, que é o da minha percepção de onde estão céu e terra. Dependendo, portanto, desse eixo, muda a sensação da vértebra por onde se escapa, às vezes num suspiro, a crônica.

Não importa: perceber nesta manhã que é de uma vértebra que as crônicas se sopram de dentro para fora foi deveras surpreendente. As crônicas desvanecem-se no ar, dissolvem-se num átimo porque é da sua natureza. Iluminam por um segundo os milagres pequenos do dia a dia e infiltram-se no nosso cotidiano coração sem que depois nos lembremos disso. Desaparecem em meio aos nossos ossos e quase nos esquecemos de que nos existem. Se não me apresso e agarro esta que me sai agora, fica-se perdida para sempre.

Por mais que tente recuperar aquelas duas palavras que de repente davam início a um turbilhão de pensamentos em absoluta desconexão entre si, não consigo, frustro-me, irrito-me e digo a mim mesma que a idade está chegando e eu perdendo a memória.
Mas não é nada disso. É claro que a idade está chegando, seja ela qual for, mas a memória está onde sempre esteve, apenas menos interessada em guardar números e endereços. O problema é da natureza da crônica e da minha incapacidade de lhe localizar o ponto de saída de mim e entrada no mundo.

Mas agora esse é um problema resolvido, e assim que acordar de novo a meio da noite, com as ideias preciosamente alinhavadas dentro de mim, basta-me ajeitar a vértebra no lugar e deixá-la recolhida, em silêncio e penumbra como se gostam os partos, como uma asa ainda sem despregar, guardando os segredos dos voos sem queda das palavras. E, ao acordar de fato, depois de ter voltado a dormir, lembrar-me de descolar do meu corpo a minha vértebr-asa com cuidado, já com o papel e o lápis na mão, chamando-me de volta à vida com um sorriso de triunfo e conseguimento.

14/06/2010

Das feridas que não cicatrizam



Recebi hoje uma mensagem de uma amiga de um tempo longe e de um lugar também longe, a que não respondi. Quer saber de mim, a Helena, há anos que não sabemos nada uma da outra, e ela me conta que a última vez que me rastreou pelos amigos do passado estava eu em meio à dor de assistir à morte de um filho. Eu não sei como consigo dormir sem lhe responder, sem lhe dizer que ela tem razão quando com seu email elimina o espaço entre o dia em que enterrei a minha filha e o dia de hoje, tantos anos depois. Mas não consigo dizer nada, a lembrança mergulhou-me num silêncio inquebrantável. Vou dormir com a resposta pendurada na soleira que se levantou entre o dia de hoje e o dia de amanhã.
A resposta é feita da aguda certeza de existirem feridas que não fecham nem cicatrizam. Parecem fazê-lo, acomodam-se serenas à nossa volta, enganam-nos na sua quase invisibilidade, fugindo aos nossos olhos e às nossas mãos. Protegem-se do mundo para que sobrevivamos, e criam uma pele, que quase nos parece verdadeira proteção, mas é feita só de brumas.
De tempos em tempos, essas feridas sangram. Doem como se fossem novas, talvez até mais, porque o tempo que passa se lhes junta a cada ano. Vivem depositadas nas dobras mais profundas dos nossos desertos, rasgam-se com facilidade se atingidas. Reaparecem à superfície, reacendendo sem piedade as antigas dúvidas, as mesmas culpas, a falta de ar, a inspiração que queima o pulmão como ferro ardente.
Fazem-se inexistentes aos olhos alheios, porque sabem que devem sê-lo, porque é preciso que não sejam presentes, para que os outros sobrevivam à nossa dor. Dor alheia aflige porque não se lhe conhece tamanho nem fim. Dói mais a quem não a sente na pele, porque quem a sofre nasce e se faz para tê-la dormindo ao seu lado sempre.
Por isso essas dores confundem. Porque não há como falar delas, às vezes sequer olhá-las. O máximo que se consegue é sussurrar-lhes que sosseguem, que toda noite chega ao fim e todo horizonte amanhece, escondendo a escuridão da noite que se seguirá.
Talvez pudessem ser todas elas óbvias e evidentes, as dores, se a vida lhes garantisse a visibilidade do que é considerado e respeitado. Se em noites longas como esta, em que o sol demora demais e o adjetivo tenebroso vem a calhar, houvesse tempo suficiente para que todos os fantasmas passeassem com tempo e espaço pela nossa porta. Se houvesse uma voz que soubesse e nos fizesse saber que sabe.

13/06/2010

Cherovias e alfarrobas

Com a desculpa de terem germinado as sementes de cherovia que plantei na horta há várias semanas, decidi entrar na internet à procura das suas qualidades nutricionais, apesar da pia de louça e da roupa para guardar, do corredor com as caixas que eu ia arrumar agora de manhã, a confusão de cobertores pela sala pós-noite de filmes, o almoço que em algum momento será necessário comer.

Mas meu motivo é nobre: cherovias são plantas muito nutritivas, e eu preciso de argumentos que convençam a minha família das suas virtudes, nas próximas sessões de qualquer-coisa-com-cherovia-para-comer. A minha avó deve estar feliz, lá onde estiver, vendo-me não só a querer comer cherovias, como ainda a plantá-las com bastante decisão e persistência. Nada no passado preveria semelhante futuro.

Encontrei muitas referências à tal planta – muitas fotos, todas logo dizendo, com a força que tem uma imagem, o quanto uma cherovia é uma perfeita cenoura (só que um pouco grande, talvez) mas da cor do nabo; o cheiro parece-se com o do anis, mas só de leve, e disso eu lembro bem (a foto tem seus limites), porque enjoava só de senti-la cozinhando lá longe na cozinha. Assim como me lembro do seu gosto de cenoura velha: dois detalhes que omitirei à minha família quando se der a apresentação. O que vai demorar, porque acabo de descobrir que demoram a crescer e a poder ser colhidas. Demorar significa, aqui, meses. Muitos. E talvez não as tenha plantado na melhor época do ano. Enfim, logo veremos.

A sua consistência farinhenta semelhante à da batata deve ter contribuído para o seu incrível consumo pela Europa. Foi base da alimentação da Ibéria durante séculos, e hoje faz parte daquelas características que os movimentos de valorização do particular regional desejam celebrar – já ouviram falar do Festival da Cherovia da Covilhã?! Movimentou na sua 5ª edição uma cidade inteira, com festividades que se estenderam por 4 dias, tudo em torno do um tanto desconhecido porém decantado tubérculo.

Com a chegada das batatas, as cherovias, ou xerovias, ou pastinacas (tudo nome aceitável) perderam a sua importância. Os ingleses vegan comem-nas aos quilos, dando-lhes o nome de parnsip. Graças a eles, descubro que têm um valor nutricional superior ao das cenouras, e encontro muitas e muitas receitas preparadas com o tubérculo, todas até parecendo interessantes. Acabei de abrir uma subpasta na pasta “Receitas” com todas elas, à espera do dia da colheita!

Entusiasmada com esse reviver das antigas tradições, lembro-me das alfarrobas e vou à procura de mais informações – o tanque, a louça, o almoço não se incomodam de esperar mais um pouco. A farinha de alfarroba é competente substituta do cacau; resulta da moagem das sementes que nascem nas vagens e a minha avó também a usava, porque era muito, mas muito mesmo, mais barato fazer um bolo de chocolate com alfarroba do que um bolo de chocolate com cacau. Há campos e campos de alfarrobeiras por todo o Algarve, em Portugal, e era uma diversão voltar de lá com o carro atulhado de vagens escuras e duras. E eu gostava de ficar inventando versos que tivessem essa palavra encantada (alfarroba) e outras que eram as minhas preferidas (como amplidão... lá tem palavra maior?!).

A alfarroba é na verdade bastante diferente do cacau - não tem gordura, nem glúten, nem cafeína, nem nenhum outro alcalóide, sendo portanto a planta mais-que-imperfeita para quem queira passagem para Pasárgada. Ainda assim, parece mesmo chocolate.

Mas o melhor estava por vir. Alfarroba vem do árabe al-kharub, e o que eu mais gosto é dessa vogal aspirada com cheiro de deserto. Não consigo entender porque se transformou nesse nosso “f” que a nada aspira. Dela deriva a palavra “quilate” – o leve peso de uma das suas sementes, usado pelos árabes para vender e comprar diamantes e rubis (peso, e não pureza, como indicam os quilates do ouro, o que não vem agora ao caso).

Poucas gramas de algo que se torna muito valioso: 20 sementes de alfarroba são a mesma coisa que quatro gramas de diamante. Uma parte ínfima de matéria valiosa, minúsculos cristais como os rebentos da cherovia, que agora iluminam o meu dia da cor do som aspirado das palavras árabes. Agora sim, o tanque, a louça, o almoço, os cobertores custam menos. Meu dia, que pesava poucas gramas, pesa agora muitos quilates!

16/05/2010

Viagem de ônibus pelo Rio de Janeiro

Recebi um email hoje de manhã que me perguntava “Ouve lá... o que achas mais inteligente, o livro ou a sabedoria?”. Diverti-me um bom bocado (estou divertida até agora, aquela espécie de diversão abençoada), imensamente recompensada pelos encontros linguísticos que permeiam a vida. Repararam? O “ouve lá” é obviamente lusitano, induz-me a ouvir atrás dele o “psiu...” lisboeta com que tantas vezes um amigo comum da mesma pessoa que me escreve me chamou quando podíamos nos ver ao vivo. Já a pergunta, que por acaso sei de onde vem, põe-me o Rio de Janeiro diante dos olhos, e não qualquer Rio, mas o que me acolheu quando pus os pés no Brasil. Duas cidades lado a lado, com suas palavras, acentos, curvas e pessoas. E já que hoje é domingo, às vezes dia de ficar aqui observando sem pressa os próprios pensamentos, eu vou responder com gosto à pergunta. Ainda por cima, acho que o tema combina mesmo com o domingo.

É de José Datrino, que nasceu em 1917 em Cafelândia e aprendeu em criança a amansar burros, que o email simpático da Nita, uma portuguesa que vive em Famalicão e eu só conheço virtualmente, me fala. A Nita é poeta, e leitora de poesia. De vez em quando trocamos poemas. Às vezes ela manda-me coisas que descobre do Brasil, para ver se eu conheço e se sei mais do que ela descobriu. Vamos construindo, Nita e eu, uma relação baseada no crescimento mútuo – assim de longe, eu digo-lhe o que acho de seus poemas, ela diz-me o que pensa dos meus. Há dias em que põe o dedo na ferida, e eu olho para o que ela escreve desacreditando que ela tenha me dito o que me disse, será que não vê que assim me faz sofrer? Sentir-me idiota? Querer desistir de escrever? Leitora crítica, sem dó de mim, esquarteja-me os versos para me fazer ver o quanto tantas vezes são pueris, óbvios, presos à abstração que não quer afundar os pés na concretude das coisas. Algo da poesia de Nita é concreto e duro por demais, faz-me lembrar às vezes uma Orides Fontela nos idos da infância – e ela não deve gostar também quando lhe digo isso, com provas circunstanciais ainda por cima. Mas é por isso que nossa correspondência cresce, porque é uma sorte termo-nos uma à outra assim, leitoras em construção de uma amizade que impede que coisas maiores nos magoem com mais força; encontro na Nita o espaço de exposição segura da minha alma., e cuido para que a dela não fique desamparada. Mesmo quando não me diz nada, eu sei que algo prepara, porque nunca a Nita me deixará sem resposta, perdida no universo da indiferença que me abate. A Nita pode ser cruel, mas nunca infiel. Quando demora, é porque está a pensar.

Voltando ao José Datrino. É provável que qualquer um saiba sem saber que saiba de quem se trata. Digo a Nita que ela precisa ouvir a Marisa Monte cantando a pergunta que ela me fez, e bem rapidamente estamos as duas com a tela do youtube aberta, e decidimos contar “um, dois, três e... já!” para entrarmos juntas na viagem de ônibus entre o cemitério do Caju e a rodoviária NovoRio. Consigo ver ao longe as lágrimas que se formam nos cantos dos olhos de Nita ao passar pelas pilastras que seguram o viaduto graças às palavras que  as colorem e resignificam, quando o movimento que a câmera faz lhe descobre as flores distribuídas, o amor em ação pelas ruas da capital carioca. Conheço a canção de todos os cantos, porque gosto dela e de ouvi-la, mas nunca antes lhe prestei uma atenção desta natureza, com uma companhia ao longe que sabe que eu vejo e sinto os mesmos caminhos que seus olhos e coração veem e sentem.

É claro que a pergunta que ela me fez foi apenas um convite a estarmos juntas, um pretexto para reacender o diálogo, porque às vezes são precisos pretextos para reencontrar coisas perdidas que não queríamos ter perdido, pessoas que correm o risco de se esfumaçar no tempo se não inventamos as perguntas que as concretizam novamente à nossa volta. É claro que ela já tinha encontrado e sabia quem era Gentileza, o profeta que nasceu José Datrino, na Wikipédia, no youtube, no cifras.com e em mil outros lugares que oferecem o que quisermos se soubermos procurar. Faltava-lhe encontrar o nosso espaço comum, a nossa amizade feita carne, sangue, ouvido, boca, a alegria de poder viver com o outro o que lhe nasceu de repente numa manhã. O meu domingo, deste lado do atlântico, com sol e silêncio ao redor, no meio de uma trégua decidida entre as dúvidas da semana que se inicia, ganhou firmeza e verdade, ausente da solidão que ataca e desconstrói as nossas melhores disposições de gentileza. Como já dizia o profeta: “Amor, palavra que liberta”.

Que profeta? Este!

25/04/2010

O sonho que, unido, jamais será vencido


Alfacar é uma pequena vila perto de Granada, na Espanha. Pouco mais de 4000 habitantes, casas antigas cheias das sombras e do sol andaluz, rodeada de enebros, alcornoques e madroños – árvores com sotaque castelhano em terras que já foram mouras, as últimas da península a capitular à reconquista católica. Seus campos testemunharam os últimos passos de Federico García Lorca e daqueles que caminhavam com ele. Todos fuzilados pela falange franquista no caminho que leva de Alfacar a Viznar. No fim de 2009, um juiz espanhol, de sobrenome Garzón, abriu o processo de exumação da vala comum em que se supôs durante anos estivessem seus restos mortais. Não se encontraram, e persistiu a sensação de que a família já o teria feito, e Lorca estaria, apesar de tudo, enterrado em Granada.
Há mais de uma coincidência entre aquele dia em que soaram vozes de morte perto do Guadalquivir e o dia de hoje. 1936 foi o último ano de Lorca e hoje comemoram-se 36 anos da Revolução Portuguesa. Ele, vitima da ditadura franquista; ela, rompendo as correntes da ditadura salazarista que perdurou por longos 41 anos no país vizinho. Segunda coincidência: ontem, em Madrid, grandes manifestações trouxeram às ruas a mesma Espanha dividida da década de 70 - a Falange de um lado, os movimentos populares de outro. O motivo tem raízes fundas e profundas, raízes feridas e mal cicatrizadas, semeadas no coração da Guerra Civil e do governo de Francisco Franco. O mesmo juiz Garzón é o motivo, e o seu (mais uma vez) movimento de iluminar e tentar redimir o passado, exumando campas para encontrar os desaparecidos políticos. Responde neste momento a um processo por prevaricação enquanto funcionário público que contraria os interesses do estado, por tentar levantar informações e dados sobre casos anistiados. Há mais manifestações que o apoiam por toda a Europa, mas esta, de ontem, sacudiu com ardor as principais vias da capital espanhola.
Hoje, dia 25 de abril, toca o telefone às 6 da manhã. Já o dia vai adiantado do outro lado do Atlântico, e eu sei que ouvirei a senha de todos os anos: “25 de abril...”, à qual responderei sem demora, como é costume, “Sempre!”. “O povo é quem mais ordena” vem logo a seguir, num Ary dos Santos imortalizado na letra da música que Lisboa entoará logo mais, agrupada na manifestação que se preparou e que descerá, como sempre, pelas avenidas que imortalizam a Liberdade. Há 36 anos que o país entra em festa neste dia, ainda que haja quem não goste, ainda que haja quem se ressinta, ainda que haja quem quisesse tudo muito diferente – o dia da Liberdade resiste teimoso e ganha todas as ruas e vielas, desdobra-se numa profusão de cravos vermelhos em todas as lapelas.
Este “sempre” deste ano tem, porém, um gosto diferente. Há um Garzón a quem ser solidário, e há a escalada conservadora fazendo vítimas por todo o continente. O “sempre” de outros anos respondia pela celebração, pela gratidão de se poder gritar “a terra a quem a trabalha”, “o povo unido jamais será vencido” e por podermos olhar nos olhos de outros que também se lembram de que a utopia é possível e viveu entre nós. Mas este ano esse “sempre” volta a assumir o tom do “no pasarán” de Dolores Ibarruri, um “no pasarán” que ecoou e se agitou em centenas de faixas pelas ruas de Madrid ontem, 24 de abril de 2010, quantos anos depois da Pasionaria o ter gritado pela primeira vez. “Sempre”, hoje, porque há quem queira esquecer com mais força do que queria esquecer-se antes, porque há quem queira que não nos lembremos com mais força do que queria antes, e porque há quem sucumba ao medo de dizer aquilo que precisa ser dito, muito mais do que precisava ser dito antes, ainda que pareça, ainda que seja e ainda que se repita impossível. Por isso, antes de fechar os olhos para preparar o dia de amanhã - 25 de Abril: sempre.

18/04/2010

Entre o ver e o ouvir

Uma das vantagens da audição é poder ouvir o que dizem de nós, nesse movimento que alguns gostam de chamar de “espelhamento”, o saudável exercício de refletir, observar, pensar, especular afinal. Quando o espelho não é baço, encoberto e acinzentado pelo tempo, ou alterado pelo desgaste dos produtos que usamos, querendo deixá-lo insana e artificialmente brilhante e reluzente, é ótimo. Quando o momento de espelhar está bem determinado, e se limita àquilo que compreende a função para a qual se usa o espelho, ótimo também, e o mesmo acontece quando o olhar que desdobramos na direção do outro está permeado de amor e compaixão, na sua forma concreta que não quer despertar dores desnecessárias das quais nada sabemos. Com condições assim ideais, podemos confiar na imagem refletida como sendo, de fato, parte da nossa própria reflexão, e aproveitar-lhe todos os momentos para ir e voltar e ir uma vez mais à morada da nossa própria percepção.

Gosto por demais dessas oportunidades, até pela dedicação que, de um jeito ou de outro, pressupõe o movimento do outro especular sobre nós mesmos olhando em nossos olhos - o que nos permite, a nós os  observados, conhecer os outros através daquilo que eles dizem ver. A especulação bem formada engrandece o que especula e o especulado, e cria um entendimento profundo e verdadeiro entre almas. A reverberação dos sons que os outros escolheram para definir o que veem como nosso reflexo abre caminhos dentro de nós, suaves ou agrestes, enevoados ou luminosos.  Nem todo espelho reflete o mesmo lado de nós mesmos, e provavelmente por isso alguns nos percebam as curvas sinuosas, outros as planícies serenas, outros o mar em fúria, outros o espaço aéreo entre as falésias e as ondas, e outros ainda duas ou três dessas paisagens ao mesmo tempo, seja porque estão por perto há mais tempo, seja porque a história nos antecede a todos e alguns sabem disso sem saber e sem se lembrar.

Nesse espelhar do outro, há quem prefira não abrir os olhos, furtando-se a ter o outro refletido em seu cristalino. Pode ser que receie encontrar-se naquilo que reflita, o que pode ser um problema, e assim olha-se só para dentro de si próprio e confunde-se a própria imagem com aquilo que era suposto refletir. E outros, ainda, decidem observar o que lhes interessa e aquilo que vai ao encontro de seus desejos e propósitos e, por eles, quaisquer observações cabem e valem. Mas estes são entre nós muito raros, quase inexistentes, e não vale a pena oferecer-lhes muito do nosso tempo.

Nesses processos, pode ser que às vezes ouçamos falar do nosso avesso como se ele fosse o direito, e como se devesse transformar-se e viajar para os lugares onde outros acreditam estar o que é direito. Imagens de que gostamos, e cultivamos, aparecem repentinamente transvestidas com as peles do desequilíbrio, da instabilidade, da insatisfação, da ausência. Estivessem esses olhos abertos, talvez conseguissem ver como se mergulha até o fim dos poços da vida, e se bate o pé no fundo e se volta à tona com o diamante que com esse mergulho arriscado conseguimos abraçar e trazer lá de baixo conosco. Mas, penso comigo, talvez só nos sonhos de Alice os espelhos mergulhem sem antes garantir seu tubo de oxigênio, numa entrega que não se preocupe em dividir quantos lances de escada se vencem a cada dia. 

Imagens projetadas, e não mais refletidas, provocam o desconforto do próprio movimento. A projeção agudiza a consciência dos tentáculos por trás das superfícies espelhadas das paredes do poço em que se mergulha, estreitando-se para não deixarem passar aquilo que de fato somos. Na escuridão que essas superfícies formam, há aquilo que deixa de valer a pena, ainda que resistamos em manter acesa a luz que nos permita encontrar a saída e, com ela, o caminho que nos leve ao nosso destino.

11/04/2010

Bairros, comunidades e recortes afins

Tenho diante de mim, na minha mesa, uma pintura a óleo, feita por uma das minhas tias, que retrata um pedaço do mar da Foz do Arelho, praia da minha infância. Mesmo sabendo disso, transponho essa imagem diante de mim para todos os lugares marítimos que me apraz, e muitas vezes o que vejo é o recorte da janela da casa da minha bisavó na ilha do Faial, nos Açores. Esse recorte serve-me de companhia, invocação mesmo, quando me perco ou preciso ausentar-me do mundo. Não que isso signifique que tenha passado muitas horas à janela dessa janela, nem é o caso, mas a situação que idealizo remete-me a momentos que, se tivessem sido vividos, com certeza seriam preciosos e únicos. Basta-me pensar neles para que de fato existam, a ponto de consolar-me da vida quando entra em estado de insípido desalento.

Recortes assim, da vida e do mundo, são matéria de todos os dias. Esse mar diante de mim não é o mar, mas sua imagem, a imagem que minha tia formou dentro de si e transportou com suas tintas e pincéis para uma tela branca. Tornou sólido o que era líquido. Eu, a  milhas náuticas de distância de tudo isso, mar, tintas, tia e praia, tomo essa solidez e, de certa forma, transformo-a no meu especial tipo de mar. Um tipo sólido de mar. Um estereótipo de mar. Inofensivo.

A formação de estereótipos, aprendi na faculdade há anos, é vital para o nosso processo de comunicação, usada todos os dias, todas as horas, a todo momento. Formamos estereótipos internos do que seja uma árvore, e assim não precisamos descrever à exaustão o conceito “árvore” quando queremos com muita simplicidade dizer a alguém “quem me dera ter uma árvore para ficar sob a sua sombra”. A árvore está lá, ainda que talvez não esteja, e ambos interlocutores podem entrecerrar os olhos e sentir a sombra da árvore inexistente que é a mesma nesse momento para os dois, sem o ser.

Sim, alguém logo poderá dizer (porque esse é o estereótipo da palavra estereótipo), “mas estereótipos criam problemas”. Certamente. Quando o meu “tipo sólido” decide além de sólido tornar-se opaco, e sobrepor-se à translucidez alheia, passa de fato ao estatuto de problema e muda de nome: chama-se preconceito ou discriminação, e age em consonância com a nova denominação. Os efeitos da comunicação de massa, com as suas características específicas de tempo, modo e forma, produzem cotidianamente estereótipos. Alguns geram preconceitos e discriminação, outros formam imagens que aos poucos se tornam verdades, aptas a distorcer a realidade. Ampla e irrestritamente. Com uns, nos identificamos; com outros, nem tanto.

Há uns anos atrás, tivemos na Demétria uma discussão mais ou menos efervescente sobre a propriedade (ou impropriedade) de nos chamarmos “bairro” ou “comunidade”. Talvez, penso eu agora, pelo crescimento exponencial do grupo, e a consequente necessidade de encontrar uma forma que pudesse definir-nos frente ao mundo. Defensores de uma e outra denominação apresentaram aqui e acolá seus motivos e razões, e eu naquela altura nem pensei em ir às origens de ambas as palavras. Graças à reportagem veiculada pela rede Bandeirantes nestes dias, sob o pomposo título de “Famílias mudam de vida e produzem o próprio alimento”, voltou-me aquela discussão à mente, basicamente porque fiquei à procura, na matéria, do que vejo da janela da minha casa. O subtítulo não me ajuda: "Em Botucatu, interior de São Paulo, uma comunidade produz o próprio alimento de forma sustentável".

Aquela discussão acabou elegendo a ideia de “bairro”. Comunidade parecia, a uns, ligada à criminalidade das favelas-valha-nos-deus, a outros dava uma sensação de bicho-grilo-ainda-nos-sessenta, a outros ainda soava estranho, como bairro será mais interessante, diziam, a nossa situação perante o município. Foram muitos argumentos de parte a parte, todos eles amparados e justificados pelo estereótipo interno que cada um, inclusive eu, formou  ao longo da vida sobre cada um desses dois conceitos feitos palavras. O fato é que bairro ficou. E agora, inusitadamente, vira notícia como “experiência comunitária”. Reconheço cada um dos atores presentes nos pouco mais de quatro minutos de matéria, e em todos reconheço parte da “culpa” por sermos o que somos. O difícil é conseguir encontrar-nos por entre as imagens. É claro que ali está uma parcela de nós, feliz ou infelizmente pequena, e o seu dia a dia, só não consigo ver que essa parcela represente, mesmo de longe, o "bairro Demétria".

De vez em quando dou umas voltas por alguns dos atuais meios alternativos, e dos mais emblemáticos como o enca, aos mais focados, como os grupos de parto humanizado e afins, a reação parece-se: abre-se uma boca de espanto e emite-se um “ah” de êxtase ao saber que vivo na Demétria. Da primeira vez achei divertido, da segunda engraçado, da terceira comecei a ficar incomodada. Provavelmente esse mito saia fortalecido com esta matéria da Band, e nós que construímos essa nação sem pátria ficaremos um pouco mais longe de vestir a roupa dos mortais comuns, que veem o Olimpo como se deve: com os pés no chão.

Mas a questão aqui era etimológica, e se eu soubesse disso antes ... Para bairro, bastam dois clicks no google e uma checagem no Geraldo Cunha aqui ao lado: deriva de bárri – o espaço “exterior” dos árabes hispânicos, o "lado de fora", que por sua vez deriva do árabe clássico barri, igual a “selvagem”. Bastam-me os árabes ibéricos, que todo exagero é ruim, inclusive o linguístico - o "lado de fora", portanto. Para comunidade, a formação é mais óbvia: uma "unidade comum", por sua vez trivial, vulgar. Ser “bairro”, ser o lado de fora; ser “comunidade”, ter qualidades comuns e triviais, daquelas que dão a noção de pertencimento.

A minha atenção é chamada (assim mesmo, na voz passiva, porque diante da televisão raramente nos chamamos a atenção, é ela que nos chama, e isto sem julgamento de valor pelo-amor-de-deus) pela constatação de que, de fato, vê-se de nós o que projetamos ao nos assumirmos bairro - o nosso lado de fora, aquilo “que dizemos que queremos ser”, como alguém desabafava neste mesmo alobairro dias atrás, e não o que de fato somos, por dentro. Falta-nos, talvez, a comum-unidade trivial e vulgar que poderíamos ter se pudéssemos de fato olhar-nos com a pluralidade, a abertura, a verdade e a falta de dogmas que as coisas triviais e comuns demandam, se é que se quer que sejam verdadeiras. A menos que já saibamos qual é a unidade que queremos seja comum às pessoas que aqui chegam, e descartemos tudo aquilo que não se encaixe na nossa visão “comum”.

Conversar com quem saiu daqui ao longo dos últimos dez anos tem me deixado um travo amargo na boca, que por falta de melhor palavra traduzo como me disseram outro dia, a respeito desse assunto mesmo: "frustração", seja lá pelos motivos que for. Em outros momentos, ouvi de muitos a palavra “desilusão”,  sentimento quase que inexorável passado o período de tempo de encantamento pelo qual todos os que vimos para cá passamos. O que é normal, comum, trivial, dadas as nossas condições excepcionais de vida, assim como é normal, comum, trivial desiludir-nos, que ninguém merece mesmo viver iludido e a desilusão no fundo é a verdadeira salvação. O que não é normal é que as imagens da band não se pareçam conosco e que as deixemos passar irrefletidamente por nós mesmos.

06/04/2010

Ser sozinho ou acompanhado?


Tenho às vezes a impressão de que uma vida quieta, calada e retirada faria a muitos mortais um imenso bem. Incluo-me nesse grupo, com a sensação de que há momentos em que me faria bem melhor do que o oposto estar-me sossegada numa espécie de espaço próprio solitário e vazio, estritamente delimitado e consequentemente protegido. Poupar-me-ia de alguns dissabores e pouparia os outros também dos pensamentos que me afligem e que, em vez de me desassossegarem a mim apenas, desdobram-se na direção dos que me ouvem. Nada disso é justo.
Mas é difícil, digo-me lúcida logo a seguir, porque provavelmente ficaria sem matéria. Lembro-me rapidamente de John Donne, de Hemingway como consequência, e se o segundo citou o primeiro, sinto-me no direito de citá-los a ambos: “Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua; a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; por isso, nunca procures saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”. Donne, poeta inglês do fim do século XV, escrevia isso na sua Meditação VII, e Hemingway pegou-lhe nas palavras literais em “Por quem os sinos dobram”. Thomas Merton, o padre católico que mergulhou na Ásia da primeira metade do século XX, usou a primeira frase para dar título a um de seus mais famosos livros: “No Man is an Island”. Deve haver mais e mais ramificações dessa noção tão básica, e eu deixo que todas elas me reconvençam lentamente. Meus pulmões dividem-se entre expirar e suspirar, e entretanto chega-me alguém à porta, pede-me um favor, pergunta-me alguma coisa; prova-me, com a exemplaridade simples do dois e dois são quatro, que tudo isso é verdade, e imediato, grotescamente imediato. O que me faz voltar a pensar que sim, que de fato a vida quieta e solitária viria a calhar, não fosse eu mesma autosabotar-me sempre nesse propósito, porque o convívio é como eu própria olhando para mim mesma, e eu gosto imensamente de vibrar na vibração alheia. É bom ter dúvidas, para tê-las dissipadas.
Sobre o que escreveria eu não fossem as ideias que me aparecem no meio de uma conversa, na hora de uma palestra, em meio a uma discussão que presencio? Há meses que decidi treinar-me em ausentar-me do que acontece ao lado cada vez que uma chispa de ideia me passa pela mente. Retraio o meu pensamento e uso o pouco que lembro do curso que fiz de leitura dinâmica para passar em revista todas as ideias que afloram num ápice. Enfio-as qual pérolas em um fio que consiga esticar diante dos olhos depois, ainda que nada tenha a ver com nada e esse fio dê origem a coisas tão díspares quanto polvos e solidão. Como por exemplo esta crônica, que nasceu de uma imagem que me veio um destes dias, em meio a uma discussão, de um ser grotesco com muitos braços inoperantes, daqueles que não atingem a sincronicidade mínima para se colocarem em movimento em direção a algum lugar pretendido. Dias depois consegui ver nessa imagem um polvo, nesse polvo a minha cozinha e nessa cozinha a salvação.

03/04/2010

Fotografia nova na parede da sala


Assim que me deram esta fotografia da baixa lisboeta, antevi as saudades que me provocaria assim que a colocasse na parede de casa. Vista de cima e a preto e branco, a cidade de Lisboa atinge-me muito mais fundo, porque contemplo-a em silêncio, não há nada visível da modernidade claustrofóbica que a atingiu, e eu posso beber da fonte que gosto, difícil de encontrar com os pés no chão. O quadriculado exato pombalino agrada-me mais assim, pelo contraste com os bairros castiços, à direita e à esquerda; Alfamas e Mourarias e Bairros Altos a atiçar o passado mourisco da cidade que tinha sete colinas, e as perdeu submersas em prédios todos iguais.

Uma sede de modernidade faz com que o tempo ande, o que é bom, mas impede que o passado se demore, o que não é tão bom. Como não estou sempre nesta cidade, e como ela faz parte do meu passado, sinto-lhe mais a parte negativa do que passou, à espreita atrás da porta das remodelações. Segue-se a traça original do desenho dos prédios, porque o orgulho do passado majestoso sobrepõe-se a tudo neste país em crise, mas é uma traça que difere sutilmente daquilo que era. Pode ser que sejam os materiais que se usam, as novas técnicas de construção  etc e tal. O fato é que o Cais das Colunas já não é o que era, que pena, quando andava em obras eternas que motivavam piadas e mais piadas e que agora se calaram porque perderam o sentido. Ou o Cais do Sodré, limpo e cheio das máquinas que nos facilitam a vida ao vender bilhetes em tantas línguas, enquanto nos fazem perder o ritmo do tempo que era o nosso, e que talvez pudesse continuar a sê-lo e quem sabe não seria a crise doutro tamanho e dimensão.

Lisboa provoca-me sensações ambíguas, provavelmente porque viva muita viva dentro do passado que lhe construí na memória. E dificilmente alguma coisa iguala a memória.

Isso faz-me pensar na memória seletiva que  se criou em mim e que se esquece contumazmente daquilo que parece não valer a pena lembrar, ainda que valha. À minha volta, lembram-se de muitas formas de eu mesma que eu nem sei existentes em mim. Começo realmente a ficar preocupada, porque por todos os grupos e por todos os lugares a situação repete-se, o que denuncia uma cronicidade que talvez venha a se transformar em distúrbio, se é que já não o é efetivamente. Lembram-se de momentos invulgares, aventuras que parecem saídas de um volume de ficção, anedotas em que me vejo refletida como se fosse outra, basicamente porque não me lembro, mas imagino até que assim possa ter sido, já que outros se lembram com tanta fidelidade e estranhamento quando os olho, com o meu próprio estranhamento de que seja de mim que falam.

Lisboa, hoje na parede de casa, um cacilheiro à vista no pedaço de Tejo que o fotógrafo imortalizou, há de lembrar-se eternamente. Sigo o percurso das ruas que gosto de calcorrear com a ponta do meu dedo e, se fecho os olhos, vejo-me lá. Sinto a brisa do Tejo antes de chegar ao Terreiro do Paço, e viro à direira numa ruazinha onde sei que vou encontrar omeletes acompanhadas por montanhas de batatas fritas, como gostaria um Kit Carson que aqui aportasse anacronicamente. À distância, divirto-me em percursos que posso inventar. Não há barulho nem fumaça de carros, nem sombra das eternas obras que não acabam de remodelar uma e outra vez esta praça. Além de ser das maiores da Europa, é a mais emblemática porta de entrada desta cidade, e ainda esquizofrênica como nós todos - não sabe se se chama Terreiro do Paço ou Praça do Comércio, e responde aos dois apelos feliz da vida por poder ser duas enquanto é só uma.

Os elétricos, neste meu sonho fotográfico, são dos antigos e deslizam pelos seus trilhos, às vezes com um barulho de freios que dói nos ouvidos e que hoje, embora mal se ouvisse, seria chamado de poluição sonora. Atrás do chiado que não se ouve, escuto as asas das gaivotas que pousam na estátua de D. José I, indiferentes à azáfama citadina. As pedras desta praça testemunharam o fim último da ditadura - vem-me à memória, que já se sebe seletiva, um Salgueiro Maia a libertar Lisboa do último baluarte salazarista e, como estou longe, posso imaginá-lo sem perdas a cavalo pela Avenida Infante Dom Henrique, ferraduras num prenúncio de enterro do que já está morto mas se esqueceu de fechar os olhos. Mas também elas, as pedras, se permitem a indiferença aos carros que passam sem olhar para os lados, buzinas em riste contra os transeuntes que não têm por onde atravessar, e nem se perguntam se haverá razões.

Viro as costas da mão ao rio, e demoro o meu indicador na esquina do Martinho da Arcada. Decido levantar-me, já me doem os joelhos, para ir em busca do Livro do Desassossego, encontrar no poeta que não mora mais no café a paz que não encontro no meu reflexo no vidro da foto. Sei de antemão o infrutífera que será a minha busca, e por isso mesmo esse livro.