Foi durante um almoço num dia desta semana. Um rapaz simpático chegou-se à minha mesa e perguntou-me por que o ritmo das minhas crônicas tinha diminuído; incomodava-o essa redução, porque ele gostava de abrir seu dia com uma passada por este blog, e sem novidades isso perdia o sentido. Além de (meio sem jeito) lisonjeada, disse-lhe que era uma boa pergunta, e prometi-lhe uma resposta ainda por estes dias, porque não era óbvio e batia mais fundo do que ele podia imaginar. Não podia responder-lhe rápido como gostaria. Como com todas as encomendas, a responsabilidade parece-me bem maior, pode ser que o resultado desagrade, fique aquém do que se esperava... enfim: justificativas que digo, a quem me procura querendo escrever, que não é preciso (nem conveniente) oferecer.
Fui ver as estatísticas de leitura do blog. Instrumento interessante, mas aflitivo, sobretudo quando se consulta. Após um dia de muitas leituras, um outro em que quase ninguém entra. E quem entra? Será que leu? Ou foi por acaso, num zapping blogístico de quem não tem outras coisas a fazer? E se leu, aborreceu-se? Fez-lhe bem? Decidiu nunca mais voltar... ou virá todos os dias? E o comentário, que não escreveu? Foi porque não se atreveu? Ou porque não ficou com vontade de dizer nada? Ai...
Mas as minhas preocupações estatísticas hoje são com o que eu publico, e não com o que os outros leem. Frequência, quantidade, coisas muito mais objetivas de medir do que qualidade. E vejo que, de fato, em junho foram seis crônicas, em julho esta é a segunda... Tem razão o leitor de se chatear com o assunto, deve ser deprimente abrir-se o tal do blog, como se de livro se tratasse, e descobrir que as páginas a seguir à última que se leu estão em branco. Quase uma fraude.
Mas há um motivo, e eu explico. Depois de uma semana inteira em oficina de crônica, lendo, escrevendo, discutindo, comentando, rindo, respirando e mastigando crônicas, tornou-se mais fácil perceber a ausência que o ambiente crônico tem tido em mim. O tempo mudou de espaço e lugar desde que, de repente, se abriu uma ponte em direção a lonjuras narrativas. A crônica é breve, efêmera, rápida, quase inconsequente. As narrativas mais longas, que demandam reflexão e uma espécie particular de planejamento, são objetos que se organizam; os contos, os romances, reescrevem-se vezes sem conta, absorvem, abrem crateras na alma, subjugam o dia a dia, penetram pela vida toda como seres com ação e pensamento próprios e capacidade invasiva autônoma. Difícil (ao menos para mim) sair do fluxo da narração, tão ficcional como eu própria, e tornar-me leve, aérea, sutil como uma pluma a quase perder-se no espaço – e ser crônica, e ser 1ª pessoa.
Ainda por cima, a minha alma está mais aguda do que crônica – aliás, está empenhada num movimento exaustivo que a liberte das dores e dos desejos crônicos, e com certeira agudez caminhe e avance em direção ao que será. Essa alma menos crônica quer o que é profundo e interno, o que é longo e introspectivo, o que avança pelos terrenos da ficção a plenos pulmões, de formas que a crônica jamais poderia ser, hoje, aqui.
Escrever assim, como vem acontecendo nas últimas semanas, causa-me uma inquietação interna que não sossega ao final de uma página – não: paro porque estou cansada e preciso dormir, comer, beber, atender aos compromissos alheios e com hora marcada, esses que vêm roubar-me à escrita e devolver-me ao mundo, depois de horas mergulhada num outro espaço, com outros seres e outras dores.
E sinto saudades, é claro que sinto, do descompromisso diário da crônica. Que não articula personagens, não elabora cenários, não estuda e inverte pontos de vista, focos narrativos. Ou de repente o faz, e ri-se por dentro, porque a crônica ainda por cima é rebelde e não aceita regras constrangedoras. Faz-se da minha fala breve e da reflexão curta, mas também da saudade longa que se sente das coisas que fugiram de nós sem que sequer as tocássemos, e não sabemos se somos felizes porque o toque quase se deu (e só isso já é tanto!), ou se porque sentimos saudade, e saudade é uma forma de felicidade. A crônica faz isso: suspende-nos dentro dela mesma, faz-nos girar em torno de uma indagação, e, a mim, dá-me a liberdade de, se eu não quiser, não chegar a lugar algum. Ainda que seja à resposta da pergunta amável de um leitor atento.