27/08/2014

[b - c] < a < b + c

Ando às voltas com a construção dos caleidociclos de Escher. Comprei os modelos há anos, desencaixotei-os há meses, e agora pairam em cima da minha mesa. Quando me calha a sorte de tempo e espaço para estar com eles, passo mais tempo olhando o que devo recortar e dobrar e colar do que propriamente em ação. Mas penso. Sobretudo penso, e isso me causa um alívio considerável.

Gosto de várias coisas, nessa história geométrica do Escher. Entre elas, a congruência. Congruência deriva de congruere, e está intimamente ligada à nossa ideia de correspondência e concordância (con-cordar, por sinal, é vibrar ao nível do coração).

Os caleidociclos de Escher partem da congruência - essa particularidade/habilidade/capacidade daquilo que tem a mesma essência; que é semelhante; coeso; harmônico; que "cai" (gruere) "junto" (com). Não sei se haverá sensação mais plena do que quando algo ou alguém "cai junto" conosco em algum território. E não cai junto por acaso, sorte ou azar, mas porque quer que assim seja, porque é o que é. E ponto.

Começo por montar uma série de tetraedros idênticos. Tetraedros são poliedros feitos de triângulos equiláteros (ou seja, com ângulos e lados iguais; ou seja, congruentes). Com essa série de tetraedros pronta, crio uma cadeia, fixando a aresta de um na aresta de outro, e assim por diante até tê-los a todos unidos. As congruências de uns, unidas às congruências de outros, penso enquanto espero a cola secar. Minha cadeia está agora comprida o suficiente para colar uma ponta na outra. É o que faço. E eis que, de onde existia apenas uma sucessão de congruências isoladas, surge um círculo tridimensional, que posso girar e girar a partir do centro, contínua e interminavelmente.

Impossível não sorrir. 

Penso na importância de cada ângulo de cada triângulo, como esquinas da vida que dobramos para seguir em frente. 

Penso no triângulo equilátero que formo no encontro de ângulos e lados congruentes, como instrumentos que respirem num mesmo sopro, homem e mulher no compasso preciso da dança.

Penso na felicidade de unir esses triângulos de vida e libertá-los da existência plana. Oferecer-lhes uma possibilidade segunda. Ampliá-los. Abri-los. Expandi-los. A visão do outro lado que ainda não existia. 

E depois, quando junto um ao outro, quando lhes permito mais que serem instantes isolados, quando lhes ofereço a existência como vínculo, quando lhes abro a circularidade da respiração, liberto a forma da sua vida dúplice.

E o mundo muda de fase. Adquire outro novo sentido. Pode girar,  a partir de seu centro, e perceber que o começo e o final de tudo são apenas pontos de vista.

Múltiplas dimensões sorriem umas para as outras. Substituem a coerência, que une e cola existências externas, pela congruência, que desperta a comunhão da essência. Congruência liberta o mundo das amarras que o prendem ao chão plano, libertam-nos dessa moeda de duas faces a que chamamos convenção, e que nos aprisiona, estendendo seus longos dedos por todos os caminhos da vida. É preciso abrir a janela ao ar fresco de uma manhã clara, sem medo que o frio invada ou que a chuva molhe. Esfriará e encharcará, porque a essência da vida é viver, e a congruência está em permitir que nos atravesse. O mais é matéria do mesmo: sermos o que já fomos sem nos permitirmos ser aquilo que podemos. 

24/08/2014

Um amplexo

Este é "O abraço", de Egon Schiele. O austríaco, expressionista e ácido Schiele. Os seus humanos transfigurados incomodam mais do que as figuras floreadas de seu contemporâneo Klimt, e é por causa desse incômodo básico que este abraço aflora na minha memória.

Datado de 1917, "O abraço" poderia chamar-se "O amplexo", e diria o mesmo, já que um amplexo é um abraço. A sua etimologia oferece mais possibilidades de resignificação. Ao contrário de braço, que nasce do latino brachium e é nome usado ainda na anatomia básica, amplexo nasce da junção entre os verbos amplexus e plecto.

O primeiro responde por uma série de atividades que, eventualmente, nossos braços podem executar: compreender, conter, abarcar, abranger. Todas elas são ações amplas, dessas em que abrimos os braços a mais não poder para compreender/conter/abarcar/abranger o mundo que se nos oferece. Elejo o compreender como meu preferido, porque de todos os desejos que povoam o mundo, o da compreensão talvez seja o que mais nos torne humanos.

Plecto refere-se a outra ação, que faz com que esses braços, abertos à compreensão, se dobrem, verguem, enlacem, teçam. Isto faz o abraço: com o desejo imenso de compreendê-lo, os braços dobram-se e enlaçam o outro. Tecem-se os fios do encontro. Ao abraçar, trazemos o outro para dentro de nós, e de repente ele faz parte, é indissociável, e seu destino é também o nosso.

Abraços distantes, entre corpos que evitam o encostar um no outro, não são exatamente abraços, estão mais para tateadas do terreno alheio ou recolhimento do próprio. Um abraço apertado é coisa diferente. Começa pelo encostar de duas batidas cardíacas, esse lugar onde mora de um lado o amor incondicional, do outro o mais puro egoísmo. Depende de como cuidamos dele.

Imagine agora que esse abraço, que já fez corações se tocarem, se aprofunde mais, e permita que um outro centro de energia entre em contato com o seu abraçante. Ali, atrás do estômago e abaixo do diafragma, eis que se tocam dois sóis internos - dois plexos solares. Ali, nesse lugar, é onde as emoções se digerem, onde se transformam medo em aceitação, ódio em amor, raiva em compaixão. No abraço, a digestão é compartilhada, e torna-se mais leve.

Não sei o quanto conseguimos perceber essa troca de energias tão sutil. Creio que muito, muito pouco. Em parte porque não nos permitimos abraços tão íntimos, em parte porque andamos desatentos, com pouca disponibilidade para olhar o que provocamos no outro e o que o outro provoca em nós. E, sem olhar, como ver? Não vemos.

Penso em David, aquele pintor ciclista de 21 anos atropelado na Paulista. No seu braço mecânico, revestido por pele humana sintética. Penso em Alex, o universitário de 22 que o atropelou. No mundo que os separa. Na interpretação da lei que transforma em leve crime alguém que, embriagado, arrancou o braço de outro alguém em alta velocidade, não prestou socorro e ainda andou quilômetros com o braço alheio preso ao veículo, terminando por jogá-lo num córrego. Claro que reagimos indignados, antes que outra coisa chegue para nos ocupar. Mas passaram-se meses, e eu ainda penso no braço mecânico de David. E me pergunto como reeditará ele seu abraço, até conseguir que não seja um simulacro. Como conseguirá compreender o outro, enlaçando-o a si próprio, tendo perdido um de seus instrumentos de abraçar.

Sinto-me próxima de David, e creio que todos nós estamos, respeitadas as diferenças da brutalidade física e palpável. Estamos próximos nas nossas pequenas mutilações diárias. Nos braços que arrancamos aos outros e que, sem prestarmos a atenção devida, e porque estamos entorpecidos por nós mesmos, jogamos em qualquer canto que possa escondê-los. Porque não sabemos o que fazer com esses pequenos cadáveres.

Penso nos braços que nos são arrancados, nessas dores de corpos ausentes, nessa privação de ação que é o braço roubado. Mutilações do dia a dia que impedem que concretizemos em ação a vontade que expressa a palavra. A conversa que não permitimos, a resposta que negamos, as incisões sangrando as falas dos outros, cada uma das pequenas recusas pelas que somos responsáveis, as pequenas desconsiderações da dor, da aspiração e da necessidade do outro.

E eu penso, nesse David de braço transfigurado como se pintado por Schiele, no quanto nos transformamos, aos poucos e a cada dia, num simulacro do que somos, numa mancha que cada vez se distingue menos dessa massa civilizatória a caminho da incivilidade. Numa marcha não tão lenta, em meio a essas desumanidades que são as mutilações, as indelicadezas e as desatenções, o mundo sucumbe. E, com ele, nós mesmos. Que nos salve Schiele, e nos salvem todos aqueles que estendem os abraços e nos compreendem dentro de si, e nos elevam e protegem da intempérie do mundo.


19/08/2014

Déjà vu

Aos meus amigos doadores de déjàs vus, com a licença de ficcionalizar tudo. Porque a vida quando se veste com as roupas da ficção dói menos.

Talvez, como tantas outras vezes, venhas a ter a impressão de já ter lido algo como isto que estou a ponto de escrever, e essa impressão virá (certamente) acompanhada daquele estranhamento que te faz afirmar que é algo já visto. Não é surpresa nem qualquer outro sentimento base que se abrirá em você, mas estranheza. Não é a familiaridade da situação que se apresenta, mas a estranheza. Dirás para ti mesmo: quem é que antes usou estas mesmas palavras para dizer estas coisas? E esse dizer-te isso a ti mesmo te causará (como sei que causa) uma impressão estranha de algo estar fora de lugar.

Mas, na verdade, não está.

São tantas as vezes que te ouço ter essas impressões, que decidi ir buscar-lhes motivos, e quem sabe diminuir-te a estranheza e a ansiedade que delas advêm. Espero que não morras pela ingestão do remédio. Já se sabe, e sobre isso conversávamos um destes dias, que talvez seja sobre os nossos defeitos, as nossas dobras e falhas, que se assenta como edifício essa construção que chamamos de "eu". Não é bom colocá-la à prova daquilo que pode ser fatal.

Fui, feitas estas considerações, à procura.

Preciso dizer-te, logo à saída, que é o teu lobo temporal a sede dessa sensação. Não sei em qual dos sentidos interpretarás essa "sede" - e peço-te que penses nos dois, porque é da sua combinação que falo. A falta que faz a água que se bebe e o saber-se o lugar dessa água lugar de importância. Há coisas e pessoas assim: sabemos a sede que sentimos delas, e sabemos que nelas está a sede de algo que nos pertence. Lê outra vez a frase anterior, porque talvez seja a mais importante de todas as que possa hoje escrever.


Há também os que dizem que um déjà vu pode anteceder uma crise epilética. Mas eu fecho os olhos para te invocar, e não: não há epilepsia no lado de dentro do teu olhar. O problema é outro.

Para tua e minha satisfação, 2/3 da população mundial têm déjàs vus: experiências que passam direto pela memória imediata (tão rápido que ela nem percebe) e se alojam nas memórias mais profundas. Por isso, quando dizes "tive um déjà vu", dizes que a tua memória imediata vê agora algo que não registrou e aquela outra memória segreda que sim, aqui estou eu a lembrar-me. É isto o que dizem os neurocientistas.

Mas... sabes?

Talvez os teus déjàs vus sejam na verdade resultado direto da tua desatenção. E nada mais. De prestares menos atenção da que poderias (não me atrevo ao "deverias") aos que passam ao teu lado. Aos que permanecem ao teu lado. Aos que guardam teus passos. Aos que te querem conhecer de dentro. Aos que se doam a ti. E neste doar-se te protegem. Pensam em ti a cada momento, porque são água de rio, e vão para o mar, são nuvens novas que vêm molhar essa terra fértil que és. Porém. Porém. Como prestas pouca atenção, essa água toda, rio, mar, chuva, venha ela deste lado do mundo, ou de quaisquer outros que vejamos além de nós - essa água toda esgota-se em si mesma, escorre sem sentido, perde-se por entre os teus dedos de areia que nada seguram.

E de repente, a meio do tempo, dizes que tens um déjà vu.

Mas como pode ver aquele que não olha? Não, meu amigo: não são déjàs vus o que tens - são provas do quanto não estás onde estás, não és o que dizes ser, não fazes o que desejas e deixas de olhar os presentes que atravessam o teu caminho. Não. O que tens é um déjà perdu.




11/08/2014

As meias

Demorara-se na escolha. Detivera-se mais tempo do que o esperado nas cores, que na realidade eram só três. Algumas estavam em falta, informara a atendente. Mas ela apreciava demorar-se nas coisas que escolhia para oferecer a ele. Acariciava-as antes de se decidir, e prolongava o prazer de dedicar-se a algo que seria só dele. Era uma falta de pressa, uma degustação acariciante de cada coisa do mundo. Meias de lã, macias como a lembrança que despertassem nele quando as vestisse.

Escolheu a cor que combinava com o que lhe conhecia. O tamanho pelo tamanho que conhecia. E pediu um embrulho de uma cor específica, aquele ali, listrado. Eram listras dos tons do céu quando amanhecia ao seu lado.

O pacote demorou-se dentro do carro. Ficou ali, à espera do momento possível. E ela olhava-o e sorria por dentro e por fora. E o pacote à espera travestia-se de todas as cores da saudade.

Chegou o dia de presenteá-lo. Ele olhou o pacote, revirou-o, disse uma ou duas frases sem definição possível. Abriu e disse ó, obrigado, umas meias. E voltou a guardá-las, e a fechar o pacote, deixando-o pequeno e apertado para que cabesse no bolso do seu casaco.

Despediram-se. Ela esperou que ele atravessasse a rua. Olhou-o pelo retrovisor, e no movimento dos olhos, captou a imagem do pequeno pacote apertado caído junto ao banco do carro. Quase quis avisá-lo, mas deteve-se. O pacote apertado demais entristecia o banco, o abandono doía no papel listrado. E ela condoeu-se e não disse nada. E não houve tempo para que pensasse outra vez. Ele já se fora.

As semanas passaram-se. De vez em quando ela se perguntava, terá ele dado pela falta das meias? Talvez se esqueça de me dizer que não sabe onde as guardou. Talvez não queira me dizer. Talvez prefira deixar assim mesmo: "Se ela nada perguntar, não será preciso dizer-lhe que as perdi". Deve ter pensado uma vez, antes de sossegar e esquecer o assunto.

As meias ficaram ali, queimando os olhos dela cada vez que se cruzavam. Talvez os pés dele não sentissem frio, talvez elas tivessem se recusado a aquecer pés assim. Talvez quisessem pés frios, gelados mesmo, daqueles que as pessoas de coração bem quente têm ao final das pernas. Talvez ele não tivesse um coração quente. Talvez o esfriasse dia a dia, para que não ardesse de repente sem controle. E por isso seus pés não faziam frio.

Dias depois, um amigo queixa-se das agruras do tempo. Seus pés sofrem. Ela não hesita: as meias saltam das suas mãos para as mãos do amigo. Recebe um abraço efusivo e surpreso de volta, quase desproporcional ao tamanho das meias. E porque gostava de fazer as pessoas felizes, seu coração se alegrou. E afastou-se, e afastou de si a ideia e o sentimento das meias, que é um desses sentimentos incompletos que ela vive afastando de si.

Uma manhã, viu-o calçando outras meias. Meias compridas e brancas, parecendo novas de tão brancas. Vestiu-as com atenção e método, dobrando-as um pouco antes do joelho, uma dobra pequena e igual e cuidadosa em ambas as pernas. E pensou, afastando a penumbra densa que desceu sobre seu coração. Estava habituada a ela, e aprendera a reconhecer as saídas. Dizer alguma coisa, você acha? Não havia nada que pudesse dizer. Estava tudo dito.


10/08/2014

Dragões

"Quando olhei para ele, eu vi a mim mesmo".

É assim que Soluço explica o seu encantamento pelo dragão banguela. Não esperava encontrar muita coisa em "Como treinar seu dragão". Mas a história me cativa, e muito. Essa frase em particular ficou ressoando em mim, acordando memórias e associando-se ao resto das coisas da vida de hoje.

Banguela não é um dragão diferente dos outros. E nem Soluço um garoto diferente dos outros, apesar de herdeiro do trono de seu pai viking. O que é diferente é a sua disposição, esse lugar da alma que significa pôr (do latim ponere) à parte (dis-). Quando existe disposição é porque algo se arrumou, se colocou a um lado, o que vem a significar que se lhe deu atenção diferenciada.  Soluço parece ter uma disposição interna imensa de observar as coisas, de colocá-las a um lado e olhá-las com atenção, sem misturá-las a si próprio e nem àquilo que já está dado e consentido como "normal".

Essa disposição observadora permite-lhe ver o que outros não enxergam. Percebe que os dragões que seu povo combate e insiste em exterminar, são seres tão presos e cativos de outros quanto os próprios vikings. Atacam porque são atacados. Matam porque receiam a morte que pesa sobre suas próprias cabeças. Curvam-se à ameaça de quem os domina, e os vikings curvam-se também. Com disposição, Soluço põe-se à escuta e percebe caminhos de encontro com esses seres. Transforma o paradigma porque descortina possibilidades. E descortina possibilidades porque não alimenta medo. Já se sabe que o medo é o mais perfeito imobilizador que existe.

A meio do filme, lembrei-me do quadro de Paolo Uccello, pintor italiano do Quattrocento - "São Jorge e o dragão", pintado por volta de 1460. Dragões são representações fortes desde os primórdios da humanidade, e essa obra de Uccello está presente em "O homem e seus símbolos", de Jung. É a imagem que ilustra este texto: vale a pena olhá-la com disposição. Perceber as sutilezas para as quais nossos olhos foram educados a ser cegos. As sutilezas que envolvem a relação da moça à esquerda com o dragão, e as sutilezas da relação do cavaleiro à direita do mesmo. As mãos de uma, e o que seguram, e as mãos do outro, e o que seguram. Forças humanas a um lado e a outro da figura mitológica: o que cada uma delas representa? Para onde seu olhar se dirige em primeiro lugar? O que evocam em você os mundos representados atrás dessas figuras? Só a disposição observadora, aberta e atenta, pode trazer-nos respostas - quando olhamos para ele, vemo-nos a nós mesmos.

"Quando olhei para ele, vi a mim mesmo" poderia ser também a fala de Carl Hart, autor de "Um preço muito alto". Acabo de ler quase que num fôlego só. Hart é neurocientista e o seu campo de pesquisa é a ação que as drogas têm sobre o cérebro. O seu livro, porém, vai muito além disso. É um relato pessoal de percurso humano, de história de vida e de reflexão sobre ela. Um relato do perceber o fio que a vida tece para chegarmos onde chegamos. Hart derruba sistematicamente por terra vários dos mitos que envolvem o tema das drogas na nossa sociedade, e derruba-os a partir de uma premissa que foi construindo em si ao longo da vida: o questionamento de tudo o que achava que sabia sobre as drogas e a disposição de olhar além daquilo que assumia como verdade para si mesmo e para o mundo. O percurso que Hart nos oferece, recheado de dados estatísticos oriundos de bem fundamentadas pesquisas, toca-nos não só naquilo que achamos que sabemos e pensamos sobre o universo da droga. Toca-nos também naquilo que achamos que sabemos sobre as nossas vidas e sobre o mundo ao nosso redor. Toca-nos também naquilo que nos aflige, que nos desnorteia, e que é a busca de todo ser humano sobre a terra.

A disposição empática permeia o desenho animado, o livro de Hart e o quadro de Uccello. Todos são ofertas generosas de ver além das aparências, janelas para esse nós-mesmos que ainda não conhecemos. Não sei se existirá algo mais transformador e revolucionário do que encontrar-se no outro. Do que perceber que no outro vive uma parte de nós, e que dentro de nós vive o outro refletido. Encontros são janelas para esse novo olhar, e dar o passo que nos tire das certezas não é fácil, mas é o caminho. O caminho para situar em terreno seguro as nossas andanças, de fazer as escolhas corretas, de tomar os rumos acertados. Sejam eles sensatos e lógicos, sejam eles apaixonados e desconhecidos. Sem a disposição de um novo olhar sobre o outro e sobre si mesmo, sem abrir mão das certezas e daquilo que achamos saber, qualquer encontro se torna um acidente de percurso, e não um desbravador de mundos.


25/07/2014

Estrelas sem culpa

Os moldes, para quem não sabe, servem para reproduzir qualquer coisa com exatidão e em grandes quantidades.

Para peças que precisam de reprodução muito fiel, o processo de moldagem a vácuo é o mais indicado, superior a outros tipos de moldes, feitos de madeira ou de epóxi. O vácuo, sabe-se, é um processo de grande utilidade na reprodução mecânica das coisas. No vácuo, molda-se qualquer coisa, até pensamentos. Com a vantagem de nem se sentir a sua presença. E o pior é que, sem vigilância, o vácuo toma conta.

Temos então estruturas que, através do vácuo, reproduzem à exaustão o mesmo tipo de forma. Tudo igual, sem surpresas. Pois bem: existem também os contra moldes. Embora pelo nome pareçam opor-se aos moldes, na verdade fazem com que suas paredes e superfícies fiquem mais grossas e resistentes. Talvez os contra moldes não tenham muita consciência de que existem para que o processo de reprodução mecânica fique mais aprimorado. Talvez pensem que chegaram para alterar essa ordem estabelecida de tudo ser igual.

Coitados.

Vou ao cinema. Assisto a esse filme que todos comentam,  "A culpa é das estrelas". Emociona. Chorei, igualzinho a todos os que assistiam a sessão, numa faixa entre os 7 e os 75 anos de idade. Todos ali a enxugarmos as lágrimas, início, meio e fim. Moldagem perfeita.

Nada contra Hazel e Augustus, os adolescentes que se apaixonam e carregam juntos a luta contra o câncer. Nada contra a história real em que se baseia a trama. Não me espanta tamanha comoção (minha, inclusive) por um drama particular: antes me parece revelação dos tempos.

A certo momento do filme, os dois personagens encontram-se em Amsterdã. Visitam a casa onde Anne Frank passou seus últimos anos de vida, antes de morrer nos fornos de Auschwitz. Fico com a sensação de uma linha paralela que se desenha sutilmente, entre Hazel e Anne. Tão sutil que me incomoda.

Com toda a razão, dizem o livro e o filme, há infinitos maiores e menores. "A culpa é das estrelas" é um infinito pequeno que nos emociona porque poderíamos ser nós mesmos, nosso amigo, nosso vizinho, nossa irmã. É um infinito ínfimo que nos aprisiona na nossa pequenez, nessa coisa miúda em que nos tornamos quando o que vemos diante dos olhos é o que podemos perceber possível na nossa própria vida. Assim, meio pasteurizado.

É como comida mexicana nos Estados Unidos ou japonesa entre nós: adaptam-se os sabores ao paladar do lugar, para que nada espante ou desagrade. Em vez do sabor exótico, forte, algo que nossos sentidos reconheçam como conhecido, e não precisem trabalhar em si nada de adaptação - muito menos de por-se a perceber se gosta ou não gosta disto que é tão diferente, e não apenas parece. Essa pasteurização que vejo desfilar na tela à minha frente, essas imagens da dor sentida até o ponto em que seja suportável pela audiência que se identifica, desagradam-me. Desagrada-me o título que vende milhões nas livrarias: finalmente, então, temos a quem culpar. Ô alívio.

Juro: desanimo. E porque desanimar-se é perder-se a alma das coisas, é deixar de estar-se inteiro onde se pisa, escrevo. Porque não me quero gente sem alma perto de ninguém, e parece que o escrever re-anima a vida em mim, e eu me retomo nas mãos.

Saio do cinema com uma sensação dúbia. Todas as lágrimas choradas pela culpa das estrelas reduzem a nossa humanidade, dando a falsa impressão de nos tornarmos mais humanos por nos sentirmos tão tocados por esse drama juvenil. E a juventude que se prepara para imprimir futuro ao planeta em que vivemos, emociona-se com uma drama que fala dela mesma, sem se aperceber que é para um infinito muito pequeno que o molde é projetado. Essa juventude demonstra menos capacidade de se emocionar com o drama de milhares de adolescentes que lutam todos os dias por se manterem vivos nas periferias das grandes cidades, do que pelo drama pequenamente infinito da tela. O mesmo adolescente que chora copiosamente no cinema é o mesmo adolescente que ergue o vidro no farol da grande cidade, abrindo um fosso entre ele mesmo e o outro seu igual. O mesmo adolescente que é vítima fácil das armadilhas dos moldes sociais. Que vai às ruas sem saber exatamente por que, encaixando-se num molde tão bem construído que nem sequer se anuncia.

Por-se a pensar com sua própria cabeça? É infinitamente mais fácil deixar-se moldar. Mais fácil emocionar-se com as estrelas do que sentir ao lado da pele as dores do radicalismo mundo afora, e das arbitrariedades mundo adentro. No afora do mundo, o sofrimento que torna a vida impossível para milhões que não têm a sorte de uma tela onde seus dramas comovam as massas. No adentro do mundo, esse desfile nu e cru de arbitrariedades, bem diante dos nossos olhos, atrás da porta do nosso vizinho, na calçada do nosso lado da rua. São a população do semáforo da esquina de casa, e nós preferimos a anestesia em qualquer das suas múltiplas formas. Vamos nos moldando. Cedendo aqui, cedendo ali. A alma enfraquece-se, e cede. E sem que se saiba como, a possibilidade de indignação é agora uma quimera, e a vida perde peso, consistência e verdade.

Talvez fiquemos, diante da tela, com a sensação de sermos pessoas basicamente boas: a emoção diante desse drama tão próximo, tão possível, é um afago em nossa alma, para que o disco interminável e insufocável do sofrimento humano se esfume e, de tanto girar, se torne branco e indistinto. E desapareça. E nós fiquemos em paz. Até porque, afinal, a culpa é das estrelas.




23/07/2014

Aporia

Descobri dia desses, numa roda de amigos, uma palavra que não conhecia. Aporia. Ficou vagando por dentro de mim uns dias, e eis que ressurge, querendo respostas. 

Coisa difícil, já que aporia é justamente a impossibilidade de alcançar respostas, de encontrar explicações, e deve ser por isso que ela me cutuca com seu dedo incisivo.

Das suas cutucadas recebo de presente a disposição de ler dois dos diálogos aporéticos de Platão - "Laques" e "Ménon". Um é sobre a coragem e o outro sobre a virtude. Hei de lê-los um dia, ainda mais agora que sei que não haverá conclusões a que possa chegar.

Aporia está ligada ao paradoxo, ao impasse, à dificuldade, à incerteza, às auto-contradições, tudo coisas que impedem que o sentido do texto possa ser fixado. Ou seja: não há um sentido. Os Diálogos de Platão são escritos, os nossos diálogos costumam ser falados: a aporia pode apresentar-se em todos eles. Sabe aquela hora em que, na sua conversa com seu interlocutor, você sente que ele fecha todas as saídas? Esse estado peculiar em que procuramos um ponto de entrada que desmonte/desconstrua a fala do outro? Porque não há maneira de que ela se construa e signifique algo conclusivo? Porque é tudo e nada ao mesmo tempo? Pois bem: você está nesse momento diante de uma aporia. Voilá!

Mas há mais sobre a aporia. Há "Aquiles e a tartaruga", a mais clássica delas. Há a aporia crataegi, uma borboleta europeia. Aporia é gênero de borboletas. Borboletas chamam-se lepidópteros. E lepidópteros é uma palavra grega que significa "asas de escamas". Bonito.

É Carolus Linneus, médico e botânico sueco da primeira metade do século XVIII, que dá nome grego às borboletas e quem nomeia a aporia crataegi. Nem notícia ainda do nascimento de Darwin, e já esse senhor estabelecia a forma de organizar e categorizar o mundo natural, o mesmo que usamos até hoje.

É Linneus quem escreve, em 1753, a obra Species Plantarum. O protagonista de "Figura na sombra", romance do mestre Assis Brasil, lê o livro em sua juventude. Está lá, no primeiro capítulo, essas duas páginas que releio com prazer uma, duas e quarenta e quatro vezes se for preciso. Tão ricas de ensinamentos são para quem escreve. Demoro-me muito tempo nesses parágrafos, gosto de lê-los com meus alunos, de re-re-re-perceber a magia que existe no corte sumário de tudo o que não é essencial. Por isso, por causa do que foi cortado, lembro-me do Species Plantarum. Porque está lá, a meio do romance de Assis Brasil, sem explicações. Seduz justamente porque não está explicado, e porque, se ficou, é porque tem significado.

É claro que me pergunto por que terá dado Linneus esse nome a essa borboleta. Enquanto descanso aporia ao meu lado, vou em busca de crataegi. É o mesmo Species Plantarum  que classifica o Crataegus - um arbusto (família deles) de flores, brancas como as dessa borboleta, que nós conhecemos por pilriteiro ou espinheiro branco. Seu nome deriva do grego kràtaigos, no sentido de força e robustez, característica que talvez se refira à sua dura madeira. Além das flores, o pilriteiro dá umas bagas vermelhas que a medicina tradicional usa desde a pré-história para doenças cardíacas. Eram de pilriteiro as cinco tochas que os gregos faziam arder nos casamentos, para afastar as forças de Artémis, deusa contrária às relações monogâmicas. E era também de pilriteiro a coroa de Cristo.

Entre idas e vindas, penso que talvez Linneus estivesse, no momento em que avistou uma dessas borboletas, afundado num depressão imobilizadora. Talvez não estivesse capaz de sentir. E a visão da que viria a ser a aporia crataegi, sem motivo, sem explicação, um paradoxo vivo esvoaçando ao seu redor, movimentou seu coração - talvez se lembrasse de Artémis, e logo após de Cristo. Talvez pensasse no quanto tudo muda o tempo todo, e que é dessa energia movimentadora da mudança que o nosso mundo se nutre, embora seja sempre o mesmo e em nada se diferencie uma época de outra. As aporias, afinal, aquecem o coração e salvam-nos da normose engessante.

Os motivos que me levam a manter este livro e não aquele no centro da minha alma não são só paradoxos: são aporias. Mantenho os que carregam dentro de si/mim dúvidas e incertezas, coisas e mais coisas inexplicáveis, e que têm nessa inexplicabilidade o seu motivo de existir. Gosto de voltar a eles e descobrir, após a 34ª leitura, que não consigo apreendê-los, não consigo sumarizá-los, não consigo reduzi-los a uma leitura, porque são imensas e infindáveis. E lá vem a pergunta: como assim pedir a alunos aprendizes de leitores que resumam e expliquem uma obra literária? Para matá-la na sua gênese? Naquilo que tem a oferecer? Nas mil possibilidades infinitas?

Aporias são coisas assim: nem se explicam, nem se chega sobre elas a nenhuma conclusão. Um desespero, para alguns. Um desafio, para outros. Incluo-me nestes últimos (nem sempre), e divirto-me nesse movimento interno que busca refutar todo e qualquer argumento que queira fixar um sentido único e conclusivo ao texto que leio, ou ao diálogo que mantenho.


Imagem: Aporia Crataegi
http://eol.org/data_objects/20605909

07/07/2014

Clarice, em carta

Provavelmente porque precisava de quem me oferecesse todos e nenhum caminho de entendimento ao mesmo tempo, fui em busca de Clarice. Porque a força da ficção vive na capacidade de não ser verdade mas poder impor-se como tal, nesse conceito cheio de letras que é a "verossimilhança": um ser semelhante à verdade, que está de acordo com aquilo que poderia ser, ainda que em desacordo com aquilo que se vê normalmente. Aí está uma discussão que adoro: o que é mesmo a verdade do que se vê?

Mas vamos à Clarice. Há uma carta, que se diz ser dela, a uma amiga incógnita, escrita em Berna em 1947. Uma versão conta que a teria dirigido a sua irmã Tânia, entre muitas outras que escreveu a todas as suas irmãs, nos mais de 15 anos que viveu fora do Brasil. Foi Caio Fernando Abreu quem publicou a tal carta, avisando que não tinha certeza de ser da escritora, mas que a ela se atribuía, e assim de fato parecia.

A destinatária da missiva devia passar por momentos de aperto, desses que fazem as mulheres se aproximarem umas das outras em busca menos de consolo que de compreensão. Às vezes, a realidade do mundo sobrepõe-se à verdade que se intui para lá dele mesmo, e é bom uma mão amiga, um ombro aberto, uma palavra de alívio, para que não se sucumba à impressão de endoidecer. Se a carta é ou não verídica, não sei. Mas é verossímil, e por isso leio-a como se de Clarice fosse, como se a amiga e a consequente amizade o fossem também, como se a congruência fosse (é) uma realidade palpável. Berna, 1947, parecia-se a uma fazenda, escrevia Clarice em outra carta, lamentando a falta de paciência para gostar de uma coisa assim. Não lhe foram fáceis esses anos, como não o foram para europeu algum do pós-guerra. Na verdade, não sei se a vida lhe foi fácil ou difícil, porque essa não era uma preocupação que Clarice aparentasse, essa de pensar na facilidade ou na dificuldade das coisas. Clarice era dada a agir sem muito pensar; ainda em outra carta, diz que desse método lucrou meio a meio: metade de fato intuição, a outra metade pura infantilidade. Preciso ser mais madura, dizia ela. Mas tenho medo de amadurecer demais, completava.

Não sei bem se Clarice era dada a aliviar os outros. Creio que não, tanto quanto creio que ela mesma raramente encontrava alívio a não ser na escrita, e ainda assim de forma muito leve. Mas essa carta em especial alivia, como alivia uma conversa em voz baixa à mesa enquanto se divide um jantar. Aquelas coisas profundas e simples que só podem ser entregues ao outro quando há tempo, espaço e interesse. Cartas, na falta de jantares, e quando a distância é marítima, sossegam o espírito.

A meio desses momentos difíceis pelos quais a amiga passa, Clarice aflige-se por vê-la enveredar pelo caminho fácil de ser o que não se é. Porque os outros pedem. Porque os outros suplicam. Porque os outros exigem. Porque todos dizem que. Porque todos fazem. Tanto faz. É preciso ser-se quem se é, e estar atento (não sei se leio ou penso) ao tanto que não se pode levar a alma no caminho da distração de si própria. É preciso estancar o fluxo. É preciso subverter a ordem que chega. É preciso com urgência resgatar os próprios defeitos, e tomá-los nas mãos com o mesmo carinho com que se tomam as virtudes. Clarice alerta: nunca se sabe qual é o defeito que sustenta o nosso edifício inteiro. E por isso cortar os próprios defeitos é ação perigosa.

E por isso é preciso ler Clarice e prestar-lhe atenção, atenção a esse sufocamento acre que lhe sobe pelas letras e nos incomoda os olhos. Que nos alerta para os desvios daquelas que são as nossas necessidades e expectativas, esse desviar-se desatento do caminho que a alma nos grita precisar percorrer. Sem prestarmos atenção equivocada ao que dizem, fazem, pensam, pedem, exigem, esperam, demandam, provocam, precisam - os outros. Ler Clarice volta-nos os olhos para dentro. Desconstrói-nos. E por trás de tanta cortina, lá estão reunidos os nossos esforços em mudar o que somos, esses esforços imensos de emoldurar o quadro que somos e descartar as sobras à sua volta. Como se algo em nós sobrasse.

O custo, às vezes, é alto. Outras, é alto demais. A alma esvai-se pelo meio, atravessa a vida como água que a areia absorve lenta. E perde-se a água, e a areia continua como sempre. Clarice fala da "comodidade da alma" e das concessões que se fazem em seu nome. Quando se abdica de si mesmo, das próprias faltas, dos próprios tropeços. Quando se abdica das necessidades mais básicas, e que são as nossas. Quando se abdica da própria verossimilhança. E quando, por fim, não se é mais nada.


Foto de Claudia Andujar, 1961

03/07/2014

Perseverar, teimar ou persistir?

Para você, que como eu se olha ao espelho, na dúvida cruel entre "será que estou teimando ou sendo perseverante?", duas explicações e uma solução.

Tudo é questão de ser severo, estabelecido ou firme. Simples assim.

Quando se persevera, ativam-se as forças estritas e sérias de severus. Aliás, por causa do per-, ativam-se totalmente. Perseverar é um ato de total seriedade reta. Não há deslizes, nem dúvidas, muito menos falhas. Acho até que há um cenho franzido plantado na testa. Muito arriscado - os cenhos franzidos afastam os outros e criam sulcos que em nada se parecem com as alegres rugas de quem vive a sorrir.

Já quando teimamos, seja lá a respeito do que for, temos um thema - um argumento, uma tese. Quase, quase, coisa de advogado. Partimos de um lugar no qual acreditamos. Nada provado, dirão muitos ao seu redor, mas você responde: você que não vê, tá lá. E podem tentar demovê-lo. Ali está, e ponto. Esse thema é forte desse jeito porque é antigo - antes do latim, já o grego o lançava, com significado levemente diferente: aquilo que se propõe. Portanto, uma proposta. E mais. A sua raiz é tithenai, palavra algo apocalíptica (experimente falar em voz alta), e significa, com uma naturalidade teimosa, "algo estabelecido". O verdadeiro teimoso, o convicto, teima a partir de uma tese proposta e estabelecida, fincada resoluta no chão imortal. Olho para a minha teimosia e dá até cansaço.

Mas, como para quase tudo, há solução. E hoje, agora, a solução que tenho chama-se persistir. Per+sistere. Persiste aquele que se mantém firme e em pé. Totalmente firme e em pé. Podem as tempestades e os raios cair a seu lado, as pedras do caminho serem maiores e mais numerosas que as flores: há aqueles que persistem. Que olham para a vida diante de si e dizem para si mesmos: mantenho-me aqui, porque é o que devo fazer. Com firmeza, em pé, e sempre.


(E as uvas, pergunta você olhando a foto? O que é que têm as uvas com isso? Secá-las, transportá-las ou reidratá-las? Escolha de cada um. De qualquer forma, as uvas se manterão uvas. São as atitudes que constroem as diferenças entre elas.)