Acordei plural, hoje. Sete
janelas de texto abertas à minha frente: a primeira, uma série de poemas vazantes
a meio da noite, um turbilhão de palavras tentando explicar-me na madrugada; depois,
um artigo com destino certo, sério e relativamente denso, que confesso hoje me
cansa (mas tem prazo...); uma tradução, instigante graças a deus; uma revisão
curta, mas dura; um romance a caminho do fim, trabalho redobrado; outro livro,
surpresa com a qual ainda não sei andar ao lado; e uma carta, que não sei como
terminar. Pulo de uma para outra, sem saber por onde continuar, tudo em estágio
de pensamento que sei é preciso respeitar. Por isso, abro mais uma, esta, como
se fosse um refúgio, um sopro de ar sem compromisso, um encontro inesperado.
Andei de manhã cedo pela cidade,
nesta nova opção urbana de vida que não me retirou a insônia do caminho. Tem
seus atrativos, a cidade. Descubro que se compram esquinas: paro e rio, como é
que pode uma coisa dessas? Ainda assim, penso, talvez essa seja a solução: uma esquina na
encruzilhada, para que possam haver dois horizontes, duas calçadas, duas
vias de chegada e partida. Uma forma plural de vida, que consiga saber atravessar
a rua sem atropelos, venham carros de um lado e do outro; passa-se de uma
calçada à outra sem tumulto, suavemente, como um estado de amor a tudo. Demanda
o triplo de atenção, provavelmente, qualquer deslize pode ser fatal. Há mais
barulho, nas esquinas, e por isso se preferem às vezes casas a meio de quarteirão. Onde
a vida corre mais calma, há vizinhos a ambos os lados. E os carros só passam na
frente, sem surpresas.
Ruas convergem inevitavelmente para
esquinas. E as esquinas tendem a deixá-las passar, livres, em seu caminho reto; às vezes as ruas sequer olham para ver quem vem do outro lado. Mas há as que param nas esquinas e
olham de um lado e do outro, sobretudo antes de atravessar e seguir caminho.
Exercitam mais a atenção, estas. O estado de presença. Às vezes demoram-se, vontade de serem lentas. São ruas presentes, de olhos abertos e sorrisos silenciosos. E algumas ficam, e deve ser bom tê-las na própria esquina.
Pergunto-me o que levará um
sujeito a vender a sua esquina. Cansou-se do mundo? Desiludiu-se? Caçaram-lhe a
vontade de atravessar para o outro lado? Ou talvez tenha atravessado. E tenha
se mudado de esquina. Não é preciso viver a vida toda na mesma calçada de
sempre. Os caminhos estão abertos ao querer dos passos: basta querer andar e
atravessar a calçada. Ou comprar uma esquina e viver nela com a tranquilidade possível,
dois endereços diferentes à escolha, duas direções que não se anulam nem se impedem. Nada de singular nelas: tudo plural, como eu hoje, aqui diante da tela.